Friday, May 12, 2006

Erudição de Ornato



No Brasil colonial, homem de bem, termo vago como todas as coisas brasileiras, era aquele que não trabalhava com as mãos. Com esta definição tosca, separavam-se aqueles que podiam participar das decisões locais daqueles que não podiam. Já aqui nos Estados Unidos, na mesma época, o homem que não trabalhava com as próprias mãos era visto com desconfiança. E ainda hoje, chamar um americano de intelectual, antes de ser um elogio, é visto como insulto. Lembro-me bem de que quando David Lynch deu entrevista a Ana Maria Bahiana em Los Angeles sobre o seu excelente filme Mulholland Drive em 2003 e foi chamado de intelectual pela entrevistadora (na verdade foi chamado de intelectual e artista), logo se defendeu: “intelectual não, artista pode ser..”. Qualquer um diretor brasileiro (ou europeu) se sentiria à vontade e linsonjeado quando chamado de intelectual. E David Lynch é intelectual e artista.

Os portugueses que eram mandados para o Brasil eram proibidos de trabalhar enquanto não encontrassem ouro. O medo português era de que com todas oportunidades de enriquecer no Novo Mundo, a busca por riquezas mais facilmente negociáveis como ouro ficasse em último plano. E olhe que o ouro só foi encontrado séculos depois, quando já se tinha perdido as esperanças. Nesta busca ao ouro foi que se tomou quase toda as terras dos Espanhóis delimitadas pelo tratado de Tordesilhas.

Quem criou São Paulo foram praticamente os Jesuítas. Terras longe do mar, idéia meio maluca deste tal Anchieta, que ninguém sabe ao certo se era português, espanhol ou inglês. Provavelmente um pouco de tudo. O sonho do Anchieta era criar uma civilização perfeita, um novo Éden, com os índios puros de coração que existiam por alí. Esta sociedade alternativa até que funcionava bem até a chegada das bandeiras e a formação dos exércitos de índios. Esta fase da história brasileira é muito bem contada no livro sobre São Paulo escrito pelo Roberto Pompeu de Toledo.

Enquanto isto, aqui no Hemisfério Norte, a colonização era feita pelo pioneiro. O pioneiro vinha com a família com o objetivo de obter seu sustento com o próprio trabalho. Quase todos sabiam ler, pois a maioria era formada por Quakers, forma de protestatismo, coisa nova na época. Estes protestantes aprendiam a ler desde pequenos, porque a grande afirmação era poder ler a Bíblia diretamente sem a mediação do Papa e da Igreja Católica, espécie de Lula e PT da época. E no Brasil, no mundo dos intelectuais, ler era coisa de maricas ou de subversivo, ou de uma mistura dos dois.

Dom Casmuro, de Machado de Assis, ilustra bem o tipo do erudito de ornato. O embromador de conversa bonita, caracterizado pelo picareta José Dias. Fala, fala (e fala bonito), mas não diz nada. Quem já assistiu a qualquer sessão de CPI? Eu tive o (des)prazer de ouvir por quase duas horas (o limite era apenas uma hora), o querido senador Suplicy no Woodrow Wilson International Center, em Washington, DC. Erudito, mesmo em inglês, não conseguia dizer nada objetivamente. E além de mal estar, não conseguiu deixar mais nada. Nenhuma mensagem.

Os Estados Unidos fizeram questão de esquecer o passado europeu, para o bem e para o mal. O resto da américa se agarrou a este passado como se fosse uma herança bendita. E ainda há uma sensação de superioridade no resto da América com relação a falta de refino intelectual nos Estados Unidos, como se a erudição de ornato enchesse barriga. E antes que eu esqueça São Paulo foi uma das poucas coisas que deu certo no Brasil porque no final do século XIX recebeu cerca de cem mil imigrantes que tinham como mentalidade ganhar o sustento com o trabalho duro. Eram os poucos sofisticados europeus que só queriam uma chance justa de ganhar a vida.

Sobre o filme Mulholland Dr

Trailer
http://youtube.com/watch?v=GF70PTD6KTc&search=mulholland

Cantando "Llorando"
http://youtube.com/watch?v=oddg6dCB7FE&search=mulholland

Entrevista com o David Lynch (Não sou intelectual)
http://www.bravonline.com.br/noticias.php?id=382

Sugestão de Leitura (além de Dom Casmurro e do livro do Pompeu de Toledo)
Bandeirantes e Pioneiros – Paralelo entre duas culturas – Viana Moog