No Brasil colonial, homem de bem, termo vago como todas as coisas brasileiras, era aquele que não trabalhava com as mãos. Com esta definição tosca, separavam-se aqueles que podiam participar das decisões locais daqueles que não podiam. Já aqui nos Estados Unidos, na mesma época, o homem que não trabalhava com as próprias mãos era visto com desconfiança. E ainda hoje, chamar um americano de intelectual, antes de ser um elogio, é visto como insulto. Lembro-me bem de que quando David Lynch deu entrevista a Ana Maria Bahiana em Los Angeles sobre o seu excelente filme Mulholland Drive em 2003 e foi chamado de intelectual pela entrevistadora (na verdade foi chamado de intelectual e artista), logo se defendeu: “intelectual não, artista pode ser..”. Qualquer um diretor brasileiro (ou europeu) se sentiria à vontade e linsonjeado quando chamado de intelectual. E David Lynch é intelectual e artista.
Os portugueses que eram mandados para o Brasil eram proibidos de trabalhar enquanto não encontrassem ouro. O medo português era de que com todas oportunidades de enriquecer no Novo Mundo, a busca por riquezas mais facilmente negociáveis como ouro ficasse em último plano. E olhe que o ouro só foi encontrado séculos depois, quando já se tinha perdido as esperanças. Nesta busca ao ouro foi que se tomou quase toda as terras dos Espanhóis delimitadas pelo tratado de Tordesilhas.
Quem criou São Paulo foram praticamente os Jesuítas. Terras longe do mar, idéia meio maluca deste tal Anchieta, que ninguém sabe ao certo se era português, espanhol ou inglês. Provavelmente um pouco de tudo. O sonho do Anchieta era criar uma civilização perfeita, um novo Éden, com os índios puros de coração que existiam por alí. Esta sociedade alternativa até que funcionava bem até a chegada das bandeiras e a formação dos exércitos de índios. Esta fase da história brasileira é muito bem contada no livro sobre São Paulo escrito pelo Roberto Pompeu de Toledo.
Enquanto isto, aqui no Hemisfério Norte, a colonização era feita pelo pioneiro. O pioneiro vinha com a família com o objetivo de obter seu sustento com o próprio trabalho. Quase todos sabiam ler, pois a maioria era formada por Quakers, forma de protestatismo, coisa nova na época. Estes protestantes aprendiam a ler desde pequenos, porque a grande afirmação era poder ler a Bíblia diretamente sem a mediação do Papa e da Igreja Católica, espécie de Lula e PT da época. E no Brasil, no mundo dos intelectuais, ler era coisa de maricas ou de subversivo, ou de uma mistura dos dois.
Dom Casmuro, de Machado de Assis, ilustra bem o tipo do erudito de ornato. O embromador de conversa bonita, caracterizado pelo picareta José Dias. Fala, fala (e fala bonito), mas não diz nada. Quem já assistiu a qualquer sessão de CPI? Eu tive o (des)prazer de ouvir por quase duas horas (o limite era apenas uma hora), o querido senador Suplicy no Woodrow Wilson International Center, em Washington, DC. Erudito, mesmo em inglês, não conseguia dizer nada objetivamente. E além de mal estar, não conseguiu deixar mais nada. Nenhuma mensagem.
Os Estados Unidos fizeram questão de esquecer o passado europeu, para o bem e para o mal. O resto da américa se agarrou a este passado como se fosse uma herança bendita. E ainda há uma sensação de superioridade no resto da América com relação a falta de refino intelectual nos Estados Unidos, como se a erudição de ornato enchesse barriga. E antes que eu esqueça São Paulo foi uma das poucas coisas que deu certo no Brasil porque no final do século XIX recebeu cerca de cem mil imigrantes que tinham como mentalidade ganhar o sustento com o trabalho duro. Eram os poucos sofisticados europeus que só queriam uma chance justa de ganhar a vida.
Sobre o filme Mulholland Dr
Trailer
http://youtube.com/watch?v=GF70PTD6KTc&search=mulholland
Cantando "Llorando"
http://youtube.com/watch?v=oddg6dCB7FE&search=mulholland
Entrevista com o David Lynch (Não sou intelectual)
http://www.bravonline.com.br/noticias.php?id=382
Sugestão de Leitura (além de Dom Casmurro e do livro do Pompeu de Toledo)
Bandeirantes e Pioneiros – Paralelo entre duas culturas – Viana Moog
Os portugueses que eram mandados para o Brasil eram proibidos de trabalhar enquanto não encontrassem ouro. O medo português era de que com todas oportunidades de enriquecer no Novo Mundo, a busca por riquezas mais facilmente negociáveis como ouro ficasse em último plano. E olhe que o ouro só foi encontrado séculos depois, quando já se tinha perdido as esperanças. Nesta busca ao ouro foi que se tomou quase toda as terras dos Espanhóis delimitadas pelo tratado de Tordesilhas.
Quem criou São Paulo foram praticamente os Jesuítas. Terras longe do mar, idéia meio maluca deste tal Anchieta, que ninguém sabe ao certo se era português, espanhol ou inglês. Provavelmente um pouco de tudo. O sonho do Anchieta era criar uma civilização perfeita, um novo Éden, com os índios puros de coração que existiam por alí. Esta sociedade alternativa até que funcionava bem até a chegada das bandeiras e a formação dos exércitos de índios. Esta fase da história brasileira é muito bem contada no livro sobre São Paulo escrito pelo Roberto Pompeu de Toledo.
Enquanto isto, aqui no Hemisfério Norte, a colonização era feita pelo pioneiro. O pioneiro vinha com a família com o objetivo de obter seu sustento com o próprio trabalho. Quase todos sabiam ler, pois a maioria era formada por Quakers, forma de protestatismo, coisa nova na época. Estes protestantes aprendiam a ler desde pequenos, porque a grande afirmação era poder ler a Bíblia diretamente sem a mediação do Papa e da Igreja Católica, espécie de Lula e PT da época. E no Brasil, no mundo dos intelectuais, ler era coisa de maricas ou de subversivo, ou de uma mistura dos dois.
Dom Casmuro, de Machado de Assis, ilustra bem o tipo do erudito de ornato. O embromador de conversa bonita, caracterizado pelo picareta José Dias. Fala, fala (e fala bonito), mas não diz nada. Quem já assistiu a qualquer sessão de CPI? Eu tive o (des)prazer de ouvir por quase duas horas (o limite era apenas uma hora), o querido senador Suplicy no Woodrow Wilson International Center, em Washington, DC. Erudito, mesmo em inglês, não conseguia dizer nada objetivamente. E além de mal estar, não conseguiu deixar mais nada. Nenhuma mensagem.
Os Estados Unidos fizeram questão de esquecer o passado europeu, para o bem e para o mal. O resto da américa se agarrou a este passado como se fosse uma herança bendita. E ainda há uma sensação de superioridade no resto da América com relação a falta de refino intelectual nos Estados Unidos, como se a erudição de ornato enchesse barriga. E antes que eu esqueça São Paulo foi uma das poucas coisas que deu certo no Brasil porque no final do século XIX recebeu cerca de cem mil imigrantes que tinham como mentalidade ganhar o sustento com o trabalho duro. Eram os poucos sofisticados europeus que só queriam uma chance justa de ganhar a vida.
Sobre o filme Mulholland Dr
Trailer
http://youtube.com/watch?v=GF70PTD6KTc&search=mulholland
Cantando "Llorando"
http://youtube.com/watch?v=oddg6dCB7FE&search=mulholland
Entrevista com o David Lynch (Não sou intelectual)
http://www.bravonline.com.br/noticias.php?id=382
Sugestão de Leitura (além de Dom Casmurro e do livro do Pompeu de Toledo)
Bandeirantes e Pioneiros – Paralelo entre duas culturas – Viana Moog
7 comments:
Z;
o Hemingway tinha umas neuras malucas com o fato de ser "artista" e intelectual. Naquela época, esse papo de sensibilidade artística era coisa de viado ou de mulher. Tanto era verdade que defendia sua macheza com bebedeiras, caçadas e brigas de bar, até que assolado pela tristeza, se matou com um tiro de espingarda. Não que ele fosse mesmo viadão, acho que não, mas aos olhos dos seus amigos machões, quem sabe? Hoje, quem diabos mais liga pra isso? Nooffa!
Ah! A cor! Antigamente, o tom de pele bronzeada denotava um trabalhador braçal - que trabalhava de sol a sol. A palidez era sinônimo da nobreza, natural parasita. hoje, um belo bronze pode significar muitas coisas, entre elas, um bon vivant cheio da nota que passa o dia no seu iate, e a palidez escritório caracteriza um pobre escravo assalariado. Como as coisas mudam...
Desculpa o comentáriozão longo, Z! É a saudade! :-))
Caríssimo Zaras-Al-Ghûl.
Não acredito em dualismos fechados. Acho simplista acreditar que é a intelectualidade nociva e contrária às forças produtivas, e uma sociedade só prospera à base do trabalho braçal.
A "intelligentsia" é necessária a qualquer nação, se essa espera desenvolver cultura e educação de qualidade. Não desmerecendo os trabalhadores, mas não é só barriga cheia que faz um povo prosperar. Foi a junção dos dois elementos que fizem dos EUA uma grande nação, e não o conflito entre esses valores. Nem tampouco esse clima de cisão que agora a atual elite política tenta imprimir ao povo.
Quando ao erudito de ornato, a quem pessoalmente me refiro como "este sujeito tem a erudição de uma coleção de Reader's Digest", acho que Machado foi seu melhor cronista, mas especialmente no conto "Teoria do Medalhão".
Ambos, Dom Casmurro e Teoria do Medalhão têm direitos de domínio público e estão disponíveis para download (arquivo PDF):
Teoria do Medalhão, link. Apenas 7 páginas. Delicioso.
Dom Casmurro, link. 116 páginas. Essencial. Divertido ler em diferentes idades da vida e perceber como "muda".
H.
As coisas mudam, mas só o trabalho orgânico constrói bases sólidas.
Ollie
A intelectualidade não mata nínguém. Falta de trabalho persistente sim. Faz 10 anos que querem limpar a Baía de Guanabara, até dinheiro já tem para isso. Entretanto nada foi iniciado até agora porque estão perdidos em inúmeros estudos de viabilidade. Nos anos 80 acreditava-se que para desenvolver uma aplicação era necessário se planejar tudo de antemão. Incrível como o Brasil agarrou-se a esta idéia como nenhum outro país. No final dos 90, provou-se que o desenvolvimento iterativo, em que o planejamento era aperfeiçoado enquanto se construia parte do planejamento da iteração anterior, é muito mais eficiente. O Brasil não anda rápido porque ele é planejado demais (que é parte da erudição de ornato) e administrado de menos (que é parte do trabalho orgânico).
De fato, e o discurso da seca do nordeste? Tambem pode ir por ai. Tanto recurso, tanta tecnologia, falta a vontade de fazer mesmo.
Nada nao, um dia a gente chega la. coisa de 10 meses depois dos continentes juntarem-se novamente :)
Gostei do post. Concordo com a análise. Não sabia do discurso do Suplicy em Washington, mas em nada me surpreende que não tenha deixado nada de bom. Por aqui também, ele é campeão em falar, falar, e não dizer nada. Eu só complemento com um detalhe a tua análise - a América Latina foi toda colonizada por espíritos de porco. De um lado, espanhóis, sanguinários e violentos, interessados em enriquecer a qualquer custo e dominar a região, pouco importando se, para isso, precisassem dizimar culturas e povos. De outro, portugueses, interessados em fazer dinheiro mas com pouca disposição para o trabalho, mais interessados em comer as índias... sorte pior, impossível.
Eu daria um passo além: o hemisfério sul foi colonizado pela porção européia de tradição católica. A Igreja católica, desde a época medieval, incutiu em seus fiéis a noção de que dinheiro é pecado, que pobreza é que é bacana. O hemisfério norte, por outro lado, foi colonizado por protestantes de diversas vertentes, os quais nada tinham contra a riqueza, desde que honesta. Existe uma comparação exemplar entre esses dois pontos de vista: em espanhol e em português, "ganha-se" dinheiro, cmo se caísse do céu ou fosse um presente de algum poderoso. Em inglês, "faz-se" diheiro.
E,
Talvez a questão da seca não seja tão fácil. Mas é verdade que nunca houve um plano.
NADP,
A coisa foi realmente conturbada, mas acho que nos saímos até bem.
Doctor Mad,
Espero que o Chongas não fique enciumado. Esta relação de católico com dinheiro ainda precisa ser melhor resolvida.
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