Monday, December 04, 2006

Lagosta Viva



Há umas poucas semanas inauguraram um supermercado asiático gigantesco. Minha esposa e eu acompanhamos a construção e estávamos na espera. Quando eu passei em frente no sábado de manhã a caminho do lava à jato (deu uma nevada de última hora só para sujar carro) vi que já estava cheio de carros e em pleno funcionamento. Assim que a Sofia, nossa filhinha de dois anos dormiu, fomos conhecer o local. Eu estava procurando uma fruta chinesa que o meu amigo Edge tinha recomendado [a não comprar], a Durian. Não encontrei a danada, mas já que estava lá comprei uma porção de coisas que nem sabia o que era e outras que sabia.

O que me chamou a atenção foi um tanque cheio de lagostas vivas e Dungeness Crab (um caranguejão daqui). Eu pedi uma lagosta e escolhi do tanque, apenas US$ 7.95 pela libra. O cara simplesmente tirou a lagosta com uma rede colocou num saco de papel e este dentro de um saco de plástico, pesou e somou os US$ 12.27. Eu continuei comprando, mas não tirava da cabeça o sofrimento que a lagosta estava passando. Cada vez que olhava para o carrinho de compras e via o saco, pensava no desconforto da lagosta. Minha mulher falou para eu deixar destas coisas. E depois ela pergunta porque nunca me viu chorando...

Eu cheguei em casa e tirei as fotos (uma delas é a que vocês vêem) e filmei um pouquinho também. A lagosta tava tão fraquinha que mal podia mover as patas. Eu a coloquei numa grande panela com água e ela ameaçou se animar. Quebrei uns biscoitos Cream Crackers estilo brasileiro (que você só encontra nos melhores supermecados asiáticos) e coloquei na panela como alimento. Sai com a família para o Shopping Stonebriar para a Sofia brincar no playground [gratuito] que tem por lá, já que está impossível ir para o parquinho aberto aqui perto de casa com a temperatura atual.

No Shopping já imaginava como eu ia adotar a lagosta. Ia ensiná-la a apanhar bola de beisebol, rolar, fingir de morta, meu Deus, e se ela tiver morrido? Se tivesse morrido o jeito seria ir para a panela. Mas quando sai ela estava respirando, ganhando forças e ainda tinha os farelos do biscoito para se alimentar...

Cheguei em casa e corri para a panela. Lá estava a Camille (já tinha ganhado nome) morta. Minha mulher zombou de mim, como era de se esperar. Camille não morreria em vão, pensei. Quinze minutos depois, já no fogo e com os ingredientes certos já estava pronto para o seu sacrifício. Sua carne, embebida em manteiga derretida (hmmmm) aplacou minha dor e minha fome. Semana que vem tem mais.

Wednesday, October 25, 2006

Criando o Personagem

Também não foi na sua segunda aparição em Lost que Rodrigo Santoro teve muitas falas. Entretanto há de se notar que o seu personagem, que não teve o nome mencionado desta vez, está sendo construído. Na verdade há a promessa de que com este episódio e os próximos dois, muitas respostas serão dadas. Não quero estragar a alegria de ninguém contanto o que só vai passar no Brasil em 2007, mas este episódio já esclareceu algumas coisas.

Eu coloquei o primeiro episódio em que Rodrigo Santoro aparece no Youtube e o vídeo ficou entre os 100 mais vistos sobre entretenimento no mundo (número 73). Vamos ver o rank deste outro.

Tuesday, October 24, 2006

O Onipresente Jack Black

Jack Black agora é o queridinho do cinema alternativo. Depois do grande sucesso de Nacho Libre que apurou US$ 80 milhões só nos Estados Unidos, ele está prestes a lançar Tenacious D in: The Pick of Destiny. É o filme tela grande da série criada pelo próprio Jack Black e Kile Glass em 1999 para o canal de assinatura HBO.

Pelo que eu saiba, esta série não é conhecida no Brasil, mas o que eu ouço dos meus amigos americanos é que o programa era o queridinho dos universitários. A série acabou sendo curta porque os executivos da HBO queriam ficar com os direitos criativos na renovação do contrato. Os Tenacious D mandaram os executivos enfiarem o contrato em um lugar que não recebe a luz do sol (e não foi no lado escuro da Lua).

Mas há males que vem para o bem, depois de muitos anos finalmente os Tenacious D chegam à tela grande no dia 17 de novembro (aqui nos EUA). Acabaram vazando uma cena que é muito interessante e que eu coloco abaixo (imagine colocar letra em música clássica). Eu não sei a razão, mas este clip me faz lembrar o meu amigo Hemetério. Agradeço ao Arley, de Portugal, pela dica do clip.





Saturday, October 21, 2006

Rodrigo Santoro no Lost

Esta temporada do Lost está aquém das expectativas. Não que não esteja ainda interessante, mas o fato é que os autores criaram tantos parênteses que está ficando cada vez mais complicado darem um desfecho crível. Não vejo possibilidades de haver um final que não seja Deus ex machina (ironicamente o nome de um dos episódios). De qualquer maneira, não me entendam errado, a série ainda continua interessante.

O Rodrigo Santoro fez uma aparição curta no terceiro episódio que se passou em 18 de outubro. Curta, mas importante. Dá para notar que o personagem, Paulo, veio para ficar e que vai crescer ao longo da série. O inglês que ele ensaiou está bem legal, ele é um ator muito determinado e com certeza vai resolver as deficiências que ele tem com a língua rapidamente. No episódio, o inglês estava afiado, mas em uma entrevista para um programa ele cometeu um erro bem sutil, difícil para um estrangeiro perceber, mas perceptível para um nativo. Ele pronunciou steroids quase como se pronuncia asteroids. A entrevistadora foi de certo modo grosseira, porque certamente ela entendeu o que ele queria dizer. Mas isto é um bom sinal, aqui só se costuma corrigir um estrangeiro quando ele fala muito bem inglês. Veja o vídeo aqui (em 00:39). Ele também apareceu no Good Morning America da própria ABC. Dá para notá-lo um pouco apreensivo, mas o inglês saiu bem, mas dava para notar a concentração. Veja o vídeo aqui (em 03:01).

Como eu passei muito tempo sem postar, fiz um esforço maior e separei a cena do Santoro que eu gravei no meu Windows Media Center que funciona como um TiVo. Além disso eu tive o trabalho de colocar legendas em português uma vez que todas as cenas no YouTube não tinham legendas. Divirtam-se:




Pronúncia de steroid:


Pronúncia de asteroid:


Post Anterior sobre a filosofia de Lost:

Lost

Sunday, July 23, 2006

Friday, May 12, 2006

Erudição de Ornato



No Brasil colonial, homem de bem, termo vago como todas as coisas brasileiras, era aquele que não trabalhava com as mãos. Com esta definição tosca, separavam-se aqueles que podiam participar das decisões locais daqueles que não podiam. Já aqui nos Estados Unidos, na mesma época, o homem que não trabalhava com as próprias mãos era visto com desconfiança. E ainda hoje, chamar um americano de intelectual, antes de ser um elogio, é visto como insulto. Lembro-me bem de que quando David Lynch deu entrevista a Ana Maria Bahiana em Los Angeles sobre o seu excelente filme Mulholland Drive em 2003 e foi chamado de intelectual pela entrevistadora (na verdade foi chamado de intelectual e artista), logo se defendeu: “intelectual não, artista pode ser..”. Qualquer um diretor brasileiro (ou europeu) se sentiria à vontade e linsonjeado quando chamado de intelectual. E David Lynch é intelectual e artista.

Os portugueses que eram mandados para o Brasil eram proibidos de trabalhar enquanto não encontrassem ouro. O medo português era de que com todas oportunidades de enriquecer no Novo Mundo, a busca por riquezas mais facilmente negociáveis como ouro ficasse em último plano. E olhe que o ouro só foi encontrado séculos depois, quando já se tinha perdido as esperanças. Nesta busca ao ouro foi que se tomou quase toda as terras dos Espanhóis delimitadas pelo tratado de Tordesilhas.

Quem criou São Paulo foram praticamente os Jesuítas. Terras longe do mar, idéia meio maluca deste tal Anchieta, que ninguém sabe ao certo se era português, espanhol ou inglês. Provavelmente um pouco de tudo. O sonho do Anchieta era criar uma civilização perfeita, um novo Éden, com os índios puros de coração que existiam por alí. Esta sociedade alternativa até que funcionava bem até a chegada das bandeiras e a formação dos exércitos de índios. Esta fase da história brasileira é muito bem contada no livro sobre São Paulo escrito pelo Roberto Pompeu de Toledo.

Enquanto isto, aqui no Hemisfério Norte, a colonização era feita pelo pioneiro. O pioneiro vinha com a família com o objetivo de obter seu sustento com o próprio trabalho. Quase todos sabiam ler, pois a maioria era formada por Quakers, forma de protestatismo, coisa nova na época. Estes protestantes aprendiam a ler desde pequenos, porque a grande afirmação era poder ler a Bíblia diretamente sem a mediação do Papa e da Igreja Católica, espécie de Lula e PT da época. E no Brasil, no mundo dos intelectuais, ler era coisa de maricas ou de subversivo, ou de uma mistura dos dois.

Dom Casmuro, de Machado de Assis, ilustra bem o tipo do erudito de ornato. O embromador de conversa bonita, caracterizado pelo picareta José Dias. Fala, fala (e fala bonito), mas não diz nada. Quem já assistiu a qualquer sessão de CPI? Eu tive o (des)prazer de ouvir por quase duas horas (o limite era apenas uma hora), o querido senador Suplicy no Woodrow Wilson International Center, em Washington, DC. Erudito, mesmo em inglês, não conseguia dizer nada objetivamente. E além de mal estar, não conseguiu deixar mais nada. Nenhuma mensagem.

Os Estados Unidos fizeram questão de esquecer o passado europeu, para o bem e para o mal. O resto da américa se agarrou a este passado como se fosse uma herança bendita. E ainda há uma sensação de superioridade no resto da América com relação a falta de refino intelectual nos Estados Unidos, como se a erudição de ornato enchesse barriga. E antes que eu esqueça São Paulo foi uma das poucas coisas que deu certo no Brasil porque no final do século XIX recebeu cerca de cem mil imigrantes que tinham como mentalidade ganhar o sustento com o trabalho duro. Eram os poucos sofisticados europeus que só queriam uma chance justa de ganhar a vida.

Sobre o filme Mulholland Dr

Trailer
http://youtube.com/watch?v=GF70PTD6KTc&search=mulholland

Cantando "Llorando"
http://youtube.com/watch?v=oddg6dCB7FE&search=mulholland

Entrevista com o David Lynch (Não sou intelectual)
http://www.bravonline.com.br/noticias.php?id=382

Sugestão de Leitura (além de Dom Casmurro e do livro do Pompeu de Toledo)
Bandeirantes e Pioneiros – Paralelo entre duas culturas – Viana Moog


Tuesday, April 11, 2006

O Retorno do Zarastrutas

Caros leitores, minha empresa lançou vários produtos este ano e está lançando um outro tanto. Eu estou trabalhando cerca de 10 horas por dia para tentar ficar atualizado (e ainda enfrento o trânsito da High Five). Eu estou adorando o ritmo, mas o blog acabou ficando meio abandonado. De qualquer maneira eu estou preparando (ainda na cabeça) vários posts interessantes:

  • Crônica sobre o contrato social e os Estados Unidos;
  • Conto sobre o homem que ganhou milhões em Las Vegas utilizando estatística;
  • A Loteria do DNA: como o delta 32 livrou uma população da peste negra e um piloto da AIDS;

Só mais um pouco de paciência...

Tuesday, March 21, 2006

Volta ao mundo em três semanas

Este é um texto antigo de uma viagem de três semanas que incluiu Alemanha (Frankfurt am Main), Portugal (Lisboa) e Estados Unidos (Las Vegas). Eu ainda morava no Brasil. O Big Brother ainda não tinha sido exibido no Brasil. É engraçado como o mundo NÃO muda:

Os únicos canais de televisão de alguma utilidade no hotel Rhein Main na Alemanha eram CNN e BBC, graças à minha completa ignorância na língua alemã, pois as opções na língua pareciam infinitas o que é um fato considerável, dado ao ao tamanho da Alemanha. Entre as expectativas de eleição do presidente americano que, à época, prometia ser uma questão de fácil resolução e não a maratona de recursos legais para a recontagem manual de votos na Flórida, como acabou acontecendo, surgiu um fato jornalístico de igual importância, ou pelo menos de maior urgência: o acidente com o avião da Air Singapore, em Taipé, na ilha de Formosa, mais conhecida por nós como Taiwan, por força dos componentes de computadores Made in Taiwan. Dividia-me entre BBC e CNN inicialmente, mas a maneira como a mesma notícia foi tratada por ambos os canais levou-me a ignorar a CNN deste ponto em diante. O ponto forte da CNN, como canal específico de notícia, é a cobertura ao vivo da notícia e aí encontra-se a armadilha. A maneira americana de crer que encontrar um culpado pode equiparar-se a resolver o problema, traço religioso que norteia aquela sociedade, levou o repórter a insistir em apontar como culpado o aeroporto de Taipé, já que a Air Singapure foi premiada como uma das empresas mais seguras do mundo. Ao tentar agir como advogado do diabo, como defensor das pobres vítimas do acidente, os ricos executivos ocidentais e orientais que fazem o comércio internacional dos componentes eletrônicos, o repórter beirou à irresponsabilidade ao tentar colocar palavras na boca do ministro dos transportes daquele país. O ministro, experiente, não adiantou informação alguma e se recusou a seguir a linha especulativa do repórter. Mais tarde, provou-se que o ministro estava certo e que, embora a visibilidade não estivesse boa, estava nos padrões aceitos internacionalmente e que o erro foi do piloto que se precipitou em uma pista interditada, batendo em material da obra durante a decolagem, para cair logo depois. A BBC, ao contrário, mostrou fatos e estava aberta a qualquer possibilidade, inclusive à possibilidade que se mostrou correta. E a escolha pela BBC mostrou-se acertada logo depois.

O programa Louis Theroux's Weird Weekends, ou em português algo como "os fins de semana esquisitos de Louis Theroux", como diz o título trata de assuntos bastante controversos, como pessoas que acreditam em extraterrestres, vivendo em função disto, e grupos de extrema direita. Ele é filho do escritor americano de livros de viagem e também novelista Paul Theroux. Mesmo com esta ascendência de novo mundo, Louis faz o estilo britânico, isto é, ele é BBC e não CNN. O programa que me chamou a atenção tinha como título "right-winged patriots", o que corresponde em português a algo como: "patriotas de extrema direita". O programa tem um certo estilo de Brasil Legal, que era apresentado pela Rede Globo por Regina Casé, não bem pelo modelo, mas pela maneira digna pela qual os entrevistados são tratados.

No episódio em questão, Louis encontrou um ativista que acreditava em uma conspiração global para destruir o homem comum, de proporções apocalípticas, que passava pela globalização. É certo que a globalização não é boa para o homem comum, ela privilegia apenas o capital (em especial o capital monetário e não os meios de produção do início do século) e a mão de obra que tenha um nível alto de especialização em áreas do conhecimento que estejam em evidência, como informática, nos dias de hoje. Partem também do princípio que a vida moderna não é boa para o homem. Dado ao alto número de pessoas que sofrem com doenças como síndrome do pânico e stress, é uma opinião a considerar. Este ativista lutou na guerra do golfo e era assustador, um Rambo, como veio a ser referido por Theroux que se assustou com o entrevistado. O homem era visivelmente desequilibrado. Por indicação deste Rambo, Louis chegou a pessoas que tinham trocado o mundo moderno por uma vida monástica, longe das facilidades da tecnologia. Louis foi dormir na casa de um deles. A casa não possuía calefação e estava nevando. No meio da noite, o seu anfitrião o acorda para fazer a ronda, no frio, em uma pickup. Durante a entrevista, descobre-se que o homem foi um próspero empresário da construção civil que morava em Nevada, mas em certo momento de sua vida sentiu-se ameaçado pelo governo e por isso agora vivia recluso, com a família. Os filhos estão fora da escola, recebendo educação em casa, o que é legal nos Estados Unidos. Eles não pagam mais impostos, o que é ilegal, mas também não recebem as benesses do governo. Este senhor mostrou-se ser uma pessoa bastante equilibrada, um pouco sectário em sua crença apocalíptica, mas equilibrado. Afinal o que leva um homem a isolar-se do conforto de uma sociedade? A banir-se quando tem chance de uma vida com conforto? Estas são questões sem respostas e talvez absurdas para maioria de nós que temos outra idéia do que vem a ser felicidade. Mas, para este cidadão, viver desta maneira é viver corretamente. O próximo ativista deste episódio era um Nazista americano. Sem comentários. O programa terminou com o sincero agradecimento de Theroux ao senhor que o acolheu em sua casa e abriu a sua intimidade e Louis pediu-lhe para que não fizesse nenhuma bobagem, afinal eles formavam um grupo paramilitar que poderia abrir fogo contra a polícia se sentirem-se ameaçados e há muitos casos assim que não terminam bem. Certamente o governo americano não está preocupado com um grupo de ativistas que não pagam impostos. Como dito, as vantagens da sociedade são maiores que a contribuição individual de seus membros para com ela. Não há mais espaço para chacinas como Canudos.

Em Portugal, a surpresa veio por meio do programa Big Brother. O observador talvez veja semelhança entre este programa e o global NO LIMITE. Há sim, mas este tipo de programa, com pessoas comuns sendo bisbilhotada não nasceu no Brasil ou em Portugal. NO LIMITE é cria do programa americano Survival. BIG BROTHER vem do seu homônimo holandês. O termo Big Brother vem do livro 1984 de Orson Welles que trata de uma sociedade totalitária e desumana que vigia seus cidadãos. O livro tornou-se filme, com Richard Burton e Susanna Hamilton, tendo sua versão cinematográfica sido escrita por Michael Radford, que também a dirigiu. O livro é interessante, mas não percam tempo assistindo ao filme, ou o assistam somente após lerem o livro. Voltando ao nosso programa de TV, o Big Brother português mostra o dia-a-dia de pessoas comuns que são confinadas em uma casa. Há um casal que faz sexo no beliche da moça. As câmaras para escuro não perdem o momento. O sexo praticado é tão sem graça, tão sem furor, sem emoção, sem sentimentos que chama atenção apenas pela curiosidade. Não é a toa que a moça está sempre de mau humor no dia seguinte.

Na TV dos Estados Unidos, as manhãs são invadidas pelo grotesco. Ratinho é apenas um aprendiz quando comparado com programas como o de Jerry. Esposa que perde o marido para um rapaz adolescente. Isto mesmo, a mulher descobriu que o marido era homossexual quando ele a trocou por um rapaz. Irmão encontra outro por acaso, o traz para casa e perde a mulher para ele. É tão irresistível o grotesco que é difícil desviar a atenção. Como o mundo das pessoas comuns é hipnotizante.

Monday, March 20, 2006

Lost


Eu acompanhava (e ainda acompanho) o seriado Invasion que passa na rede ABC. Eu utilizava o DVR (digital video recorder) para gravar o seriado e assistia depois, com mais calma e paciência. Antes deste seriado, passava um outro, Lost. Sempre dava para assistir aos últimos momento deste tal de Lost. O que eu via era um bando de pessoas em uma ilha depois de um acidente aéreo. Que seriado estúpido. Como alguém vai assistir a um seriado com esta idéia tão sem originalidade, que não deixa muita margem para o desenvolvimento de muitas tramas, até pelo número reduzido de personagens. Até Michael Eisner, o antigo todo poderoso da Disney, que é dona do grupo ABC, não acreditou no projeto: “Quem se importa com estas pessoas numa ilha deserta?”. O custo do piloto da série, que tem duas horas de duração, também não ajudou: os US$ 10 milhões foi o projeto mais caro da televisão. Eisner e eu estávamos errado.

Quando o Netflix (empresa de aluguel de DVDs por correio) me sugeriu a série, eu aluguei o primeiro DVD da primeira temporada. Neste momento, a segunda temporada já tinha começado e estava interrompida pelas festas de fim de ano. A minha reação à série foi simplesmente ficar de queixo caído. Nunca tinha assistido a uma série de TV tão inovadora (o Arquivo X que me desculpe) em toda a minha vida. Vi todo o primeiro ano em tempo recorde, como se nada mais importasse. Agora não suporto mais assistir à série Invasion, que passa depois do Lost. Li na UOL que a série vai passar na Globo. Espero que a dublagem não destrua a estória.

A estória de Lost é recheada de mistério, referências literárias e filosóficas. As maiores influências, entretanto, vêm de dois livros que nem mesmo têm tradução para o português ainda (e como são livros não muito atuais, talvez nunca tenham): Watership Down e The Third Policeman.

***** Não leia adiante se você não quiser estragar a novidade, não vou contar a estória do Lost, mas vou falar de alguns aspectos que vão antecipar assuntos da primeira e segunda temporada *****

Lost é uma série sobre um grupo de sobreviventes de um acidente de avião em uma deserta ilha tropical. A idéia da série foi iniciamente levada para a ABC no começo de 2004 por Jeffrey Lieber. O primeiro script não foi muito legal. Então Lloyd Braun contactou J.J. Abrams, o cara que criou Alias, uma outra série muito interessante e original (a estória de Alias é completamente sem pé na realidade, muito irreal mesmo, mas não se consegue parar de assistir). O roteiro foi reescrito e as filmagens começaram ainda no final de 2004, com os prazos bastante apertados, mas que permitiram bastante margem de manobra para equipe criativa que criou e recriou situações de acordo com o elenco que se queria na série. Lost recebeu o Emmy de série dramática excepcional em setembro de 2005.

A série começou em setembro de 2004, quando eu ainda estava no Brasil, mas de malas prontas para vir para cá. A série inicia com um episódio de uma hora de duração que conta o momento em que o vôo 815 da companhia aérea fictícia Oceanic que fazia o vôo Sydney (Austrália) para Los Angeles cai em uma ilha tropical aparentemente deserta. A série começa com Jack, um médico, levantando-se de paletó no meio de uma floresta tropical e com o desnvolvimento, nota-se que ele foi um dos sobreviventes. O avião se partiu em duas partes. Os primeiros momentos são tensos, mas bastante críveis. Não quero estragar surpresas...

Neste mesmo episódio longo, aparece algo misterioso (tão misterioso que não se sabe se é máquina ou ser vivo), que derruba grandes árvores. Este mistério permanece por grande parte da série (e ainda não está explicado). Mais tarde uma espécie de fumaça preta aparece associada ao fenômeno. E aí vamos fazer o primeiro contra-ponto. No The Third Policeman, um livro que foi somente publicado postumamente porque ninguém quis publicá-lo durante a vida do escritor, Flann O’Brien, um fictício filósofo e cientista irlandês, De Selby, que aparece apenas nas notas de rodapé (chega a tomar oito páginas de rodapé em uma ocasião), fala que a noite é a acumulação de ar negro. Esta fumaça preta tem algo a ver com as teorias de De Selby? Graig Wright, um dos co-autores, um uma entrevista ao Chicago Tribune, disse que quem leu o livro tem uma boa munição para teorizar sobre a série. Não é preciso dizer que depois disso as vendas do livro deram um salto e já está nos 100 mais vendidos da Amazon. O livro também aparece em um dos episódios. Este livro é bem esquisito e fala de coisas como a transferência de átomos entre as bicicletas e as pessoas e sobre uma cidade cheia de homens meio bicicletas e bicicletas meio homem. O protagonista do livro não tem nome e ele inicia sua saga assassinando e roubando um homem à procura de uma caixa-preta, que acredita ter um tesouro suficiente para financiar o estudo definitivo sobre a obra de De Selby. O livro termina onde começou e mesmo as leis da natureza, como gravidade, não são respeitadas. Em Lost as búsolas não apontam para o norte. Também não quero estragar o livro, mas vou utilizar uma frase do próprio O’Brien para vocês saberem o que esperar: “o inferno anda em círculo, sua forma é circular e por natureza é interminável e quase insuportável”.

O outro que merece atenção é o Watership Down, de Richard Adams, que é um livro infantil. O livro é sobre coelhos, mas ao contrário de outros livros infantis, estes coelhos não usam roupas e têm organização social, mitologia e linguagem própria. É um Senhor dos Anéis de coelhos. Fala da estória de um grupo de coelhos que deixa o seu coelheiro (não sei se coelheiro é o nome em português para curral de coelho, mas no inglês é warren) por que acreditam que o coelho chefe é meio autoritário. A moral do livro é bastante interessante para os dias de hoje: as organizações sociais acuadas pelo medo estão mais dispostas a aceitar lideranças que ofereçam proteção mesmo que isto implique em perda de liberdade. Em Lost existe uma luta implicita. Jack, Locke e Sawyer. Locke é democrático, Jack é autoritário e Sawyer é anarquista.

Eu queria escrever um post curtinho, mas vejo que não tem jeito. Vou agora fazer apenas um sumário daqui para frente:

Referencias Filosóficas:

Locke e Russeau são os filósofos do contrato social, os que falaram sobre a relação entre a natureza e a civilização: o microcosmo da série. Temos os personagens John Locke (um dos líderes) e Danielle Russeau (uma exploradora francesa que está na ilha 16 anos antes deste grupo). Tabula Rasa faz parte de uma teoria do filósofo John Locke e é o título do segundo episódio da série.

O protegido de Locke é o jovem Boone Carlyle. Na vida real, Thomas Carlyle foi um ensaista do século XIX que falou sobre a estrutura da liderança na sociedade.

Dharma é o caminho das verdades superiores de acordo como o Hinduísmo, Budismo e Daoísmo. Em breve vocês ouvirão falar da Iniciativa Dharma.


Referências Literárias:

Watership Down e The Third Policemen já foram comentados. Alice no País das Maravilhas (referência ao coelho branco por Locke quando Jack acha que viu o pai na ilha e a famosa frase de Locke: “tudo que acontece nesta ilha acontece por uma razão”). A Bíblia (em algum ponto surgirá o Mr. Eko e com ele mais citações, especialmemte sobre o livro dos Reis e o salmo 23). O Senhor das Moscas (Lord of the Flies) e o Mágico de Oz.


Teorias já derrubadas:

Os sobreviventes estão mortos ou no purgatório – J. J. Abrams desmentiu.

Eles estão presos em um armadilha de tempo – desmentida por Damon Lidelof.

Tudo não passa de uma realidade fictícia acontecendo nas cabeças de um ou mais sobreviventes – desmentida por Damon Lindelof.

Espaçonaves ou alieníginas influenciam os eventos na ilha – desmentida por Damon Lindelof.

A ilha é uma experiência de reality TV – desementida por Carlson Cuse.

A fumaça preta é uma núvem de nanorobôs como no livro Presa (Prey) do Michael Crichton – desmentida por Damon Lindelof

Saturday, March 18, 2006

A Série sobre a Catedral



Este é um detalhe de uma das pinturas do Hemetério sobre a Catedral de Fortaleza. Sou eu quem está neste detalhe, alguns anos mais moço e bem diferente. Espero que um dia ele publique estes quadros no blog...

Hope of Deliverance


No final de semana fui com a família para um churrasco, à moda brasileira, preparado por um americano. O tal amigo é o Ron, apresentado no post sobre o carnaval de Pflugerville. O churrasco era próximo de Fort Worth, na região de Dallas, na casa do chefe do Ron, uma figura importante no ramo de transportes.

A casa do Sr. X, como vou chamá-lo aqui, é impressionante, bem como o condomínio. Este local é um afluente subúrbio da região. Não se deixe enganar pelo palavra subúrbio, que tem conotação negativa no Brasil. Subúrbio é a designação da área mais afastada da cidade grande (neste caso Dallas). No Brasil, estar longe da cidade é mal, aqui é o contrário. Somente mora na cidade quem não tem outro jeito (exceto por Manhattan, onde morar na cidade é o que há de bom). Mas quem conhece Alphaville, em São Paulo, também entende o que é isto.

Eu tive a oportunidade de conversar bastante com o Sr. X. Uma pessoa notável: muito culto, educado e agradável. Também uma pessoa triste, de tristeza complexa. A tristeza de quem não se espanta com mais com nada, de quem não acredita em mais nada. E isto tudo porque ele é um daqueles que descobriu o sentido da vida: que a vida não tem sentido. Ah! maldito Sartre!

Ron (e Elza) são os arautos da esperança, pessoas que ainda procuram o sentido da vida e, nesta busca, acabam criando o sentido em si. Yuri e Alê também são pessoas desta linha, mas já não tenho a distância necessária para incluí-los sem bias. Uma expressão em inglês que é muito usada, principalmente em círculos religiosos, é o título deste post, Hope of Deliverance, que significa algo como fé em que as coisas irão dar certo. E esta fé não é para todo mundo. Quem perdeu a inocência, perdeu a fé. A religiosidade alija a humanidade e esta, a religiosidade. Este país foi fundado e é mantido pela Hope of Deliverance. O Sr. X não se enquadra. Parece mais europeu neste sentido.

Paulo era judeu, mas cidadão romano, que de tanta formação humanística perdeu a tal fé. Então algo aconteceu (fala-se da queda do cavalo e da famosa pergunta:”por que me persegues?”) que o fez perceber que algo nele havia quebrado (e não era nenhum osso). Ele escreveu uma das obras mais bonitas de todos os tempos, as famosas carta aos coríntios e é tido por muitos como o homem que criou o cristianismo universal, tirando-lhe o caratér de seita judáica, ainda ligada ao templo. Já Nietzsche percorreu o caminho contrário. De protestante convicto, de estudar bíblia no grego, passou a filósofo humanista, que desafiou os dogmas cristãos. Dois grandes homens, cada um a seu modo.

* O figura deste post é um detalhe de pintura do Hemetério

* Todos os comentários depois do post do Contos do Fim do Mundo foram apagados por um problema no índice do blogspot.com. Desculpe qualquer incômodo. Meu advogado já estrá tratando do assunto.

A Confusão da High Five




Desde primeiro de fevereiro que eu estou em um emprego novo. O emprego é em Las Colinas, no condado de Irving, TX. Acontece que desde de junho do ano passado eu me mudei de Rockville, MD, na área metropolitana de Washington, DC, para Plano, na área metropolitana de Dallas, TX. A mudança foi tão grande que eu levei dois dias dirigindo para chegar por aqui. Minha esposa logo conseguiu um emprego que paga até razoavelmente bem e por um tempo estava mantendo a casa enquanto eu procurava projetos de informática (e malhava para me manter um bom escravo sexual e compensá-la pelo esforço). A sorte mudou em janeiro deste ano, quando eu fui selecionado para trabalhar na empresa do sonho de todo desenvolvedor. Quem me conhece sabe onde estou hoje e quem não me conhece pode imaginar sem muito esforço.

A distância entre minha casa e o trabalho é de 25 milhas, ou 40 km. A estrada é maravilhosa e nada se parece com as estradas brasileiras. Plano é ao norte de Dallas, mais próximo do estado de Oklahoma do que de Austin, a capital do estado. O meu caminho inclui dez milhas sul na US 75 em direção a Dallas. Na saída 21, pego a saída para US 635 (também conhecida Lyndon B Johnson Freeway) oeste. Este entrocamento entre as rodovias é chamado pelo nome pomposo de Texas High Five e é uma confusão de vias (como pode-se observar na foto). Depois são mais 15 milhas até o meu destino. A High Five ainda está em construção, mas o principal já está pronto.

Meu horário inicial era de 9 às 6 com uma hora para almoço. Exatamente no horário de rush na ida. Eu levava entre uma hora e uma hora e meia para ir e cerca de 40 minutos para voltar. Um inferno. Para ver a situação da rodovia agora clique aqui e escolha “US 75 @ IH635-SE1”. Para efeito mais dramático veja a situação às 11h30 da manhã de Brasília (exatamente 8h30 aqui). Eu mudei o horário para 7h30 a 4h30, embora nunca consiga sair antes de 5h30 (normalmente só às 6h). Com isto, passo menos tempo preso no trânsito e mais tempo produzindo. Esta mudança faz com que eu passe entre 1 e 1,5 hora no transito todo dia. Por que eu não me mudo? Por que o trabalho da esposa é a apenas 10 minutos de distância e ela é quem leva e traz a Sofia da escolinha de bebês. Depois que você tem filhos sua vida não lhe pertence mais.

* Todos os comentários depois do post do Contos do Fim do Mundo foram apagados por um problema no índice do blogspot.com. Desculpe qualquer incômodo.

Grêmio Unidos de Pflugerville


Pflugerville (lê-se Flúguervil) é uma cidade pequena e próspera, próxima a Austin, TX e a apenas quinze milhas do Rio Colorado. A cidade, bem como a região próxima, deve muito de sua prosperidade a estar próxima do quartel-general da fabricante de computadores Dell e também da proximidade com a Universidade do Texas, campus central, conhecido como Longhorn. A cidade foi fundada oficialmente por William Bohls em 1860, quando este teimou em montar um armazém e uma loja de correios na sua casa. Bohls deu à cidade o nome do pioneiro, um alemão fugido da guerra prussiana, Henry Pfluger, que chegara àquelas bandas em 1849.

Se não fosse pelo Yuri, que era funcionário da Dell e tem uma casa em Pflugerville, nem você nem eu saberiamos da existência da cidade. Yuri foi contratado pela Microsoft, em Las Colinas, no dia primeiro de fevereiro. Acabou se mudando para Irving, TX (próximo de Dallas) e está morando na casa de amigos. Como o ano escolar aqui termina em junho, a mulher e filha ficaram por lá. Todo fim-de-semana o Yuri faz um trajeto de três horas e meia para chegar em Pflugerville e matar a saudade da família. Embora nós tenhamos nascido e morado na mesma cidade no Brasil, só conheci o Yuri (e vice-versa), graças a intervenção de outro amigo em comum, que mora na Califórnia e é funcionário Microsoft há mais tempo. Eu visitei o Yuri e a família pela primeira vez na casa dos tais amigos, quando a sua esposa, Alé, foi visitá-lo. Elza é uma artista carioca apaixonada pela vida, por carnaval e pelo marido, Ron, mas não necessariamente nesta ordem. Nesta visita, concordamos em passar o fim-de-semana do carnaval em Pflugerville. Lembro que carnaval não é feriado em canto algum, exceto no Brasil (Veneza e New Orleans não contam).

Nunca me senti mais no Brasil desde que mudei para cá do que neste fim-de-semana. Até TV por assinatura com a Globo e a Record eles tinham e minha esposa assistiu a um capítulo de Belíssima. O bom é que ela disse que estava curada de novela e não via mais necessidade de assistir. Um outro amigo brasileiro do Yuri, o Daniel, foi o anfitrião. No final das contas, a inventiva Elza preparou uma faixa do Grêmio Unidos de Pflugerville e preparou fantasias para todos. Foi divertido, teve gente que levou bem a sério e se fantasiou mesmo (como a palhaça e o xeque árabe da foto acima). Ano que vem tem mais. Abaixo a nossa família:

Wednesday, February 01, 2006

Contos do Fim do Mundo: A Culpa tem Cor Cinza (Completo)



Patrícia entrou apressada, estava atrasada mais de meia hora. Mas nada saiu como planejado desde a hora em que saiu da cama. E ainda chovia. A chuva que não parava desde a madrugada tornou tudo mais difícil. Era a segunda semana que estava morando sozinha em toda a sua vida. E numa cidade estranha, ainda hostil. Sentia-se uma criança abandonada, engolida pelo barulho intimidante da chuva que caia. A noite não foi tranqüila, mal iniciava a sonhar e logo era interrompida por pesadelos bobos que enganavam a mente adormecida o bastante para fazê-la acordar assustada. A situação era insólita, estúpida. O pavor era real, mesmo sendo infundado. De qualquer modo decidiu não reagir, apenas esperar a chegada da manhã. A luta era entre a razão e o temor infantil e a razão não teve a menor chance neste entrave. Não bastasse a noite mal dormida, levou mais tempo do que o esperado para chegar até a clínica. A cidade estava um caos, até mesmo para o motorista do táxi que a levou. O barulho da cidade batia em seus ouvidos como martelo. A chuva ainda a assustava. O sentimento de desproteção não a abandonava, logo a ela.

Era seu primeiro trabalho externo como repórter na nova editora. Patrícia não esperava encontrar de imediato o mesmo ambiente de trabalho de seu outro emprego, no qual havia trabalhado seis anos. Afinal era agora uma estranha em meio a estranhos. Duas semanas não são suficientes para entrosamento. As pessoas desta cidade eram tão diferentes de seus pares e não faziam o mínimo esforço para que ela se sentisse à vontade.

O tempo passa tão rápido. Seis anos parecem ontem. Há pouco, Patrícia ainda era uma estagiária mal saindo da adolescência, esforçando-se ao máximo para sobressair-se da leva de estudantes de comunicação social que também sonhava com a vaga permanente no jornal. Ousadia e uma certa medida de coincidência lhe asseguraram a vaga. O médico que a acompanhou na infância foi acusado de pedofilia por uma mãe indignada que alegava que seu filho havia sofrido abuso durante os anos em que vinha sendo acompanhado pelo médico. O delegado encarregado do caso, ainda jovem e muito ambicioso, após constatar em exame no IML que a criança poderia ter sofrido abuso, tornou público e a impressa transformou o caso em escândalo nacional, condenando o médico antes de ele ir a julgamento. As mães não deixavam seus filhos sozinhos com os pediatras e houve um aumento na procura de médicas mulheres. O assunto foi discutido em rede nacional.

Era o início da abertura política. O país discutia a possibilidade de eleições diretas. A imprensa experimentava a liberdade em doses tão enormes que a levaram a embriagar-se, tornando-a, por vezes, irresponsável. Quase todos os programas em rede nacional discutiam o caso do médico, os sérios e os nem tanto. E o médico via sua vida privada tornar-se pública. Seus atos da adolescência, completamente típicos dos adolescentes eram então mostrados como manual de comportamento dos psicopatas. Sua casa foi apedrejada noite após noite, seu muro pichado com inscrições impublicáveis até o ponto em que o velho médico viu-se forçado a mudar-se de cidade, indo morar em sua chácara na serra. Patrícia conseguiu convencer o seu supervisor, Marcão, ou formalmente Marcus Vinícius Pereira Domito, a deixá-la entrevistar o médico.

Marcão alimentava interesses além dos profissionais por ela. Conseguia enxergar charme por trás do seu estilo desalinhado de vestir-se, não diferente de muitas adolescentes da época. Nem mesmo o aparelho dental que ela usava o demovia de uma visão particular de Patrícia. Cada um ao seu modo, mas todos os homens que se aproximavam de Patrícia eram alterados, encantados, tocados por sua beleza que a transcendia. Por isso era normal vê-la sempre rodeada de rapazes nos corredores da faculdade. E ela não podia negar que gostava da atenção que recebia.

Na outra ponta da popularidade havia Marcão – sempre alvo de discussões suspirantes das estagiárias, tanto nos corredores do jornal quanto no campus da universidade, onde lecionava no sétimo semestre. Mesmo com a reputação de conquistador barato, sempre arrematava alguma beldade adolescente da faculdade ou do jornal. Algumas delas sabiam em que tipo de relação estavam se metendo, outras achavam-se muito especiais e por isso acreditavam que acabariam controlando a situação. Patrícia simplesmente o ignorou, ou melhor, tinha-o como mais um dos membros do seu séquito.

Os seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho da chuva que castigava a sacada do prédio da clínica. O medo infantil havia retornado. Ela apressou o passo até a recepção. O rapaz por trás balcão iniciou, como quem recita a própria a fala – “Em que posso ajudá-la?”
– Eu tenho hora marcada com o Dr. Da Silva.
– Qual o seu nome? – Perguntou o rapaz abrindo o livro de protocolo.
– Patrícia Domito... – disse Patrícia, assustando-se com o ato falho. – Desculpe, Patrícia Lins.
O rapaz pediu para que ela o acompanhasse enquanto dirigia-se ao fim do corredor. No caminho pôde ver uma sala gradeada e trancada onde havia um homem por volta de seus sessenta anos, barba cheia, ainda não completamente branca. O corredor terminava em uma porta na qual ostentava uma placa de metal com a inscrição: “Dr. Hernane Alves da Silva. Diretor”. O rapaz bate à porta e antes de qualquer resposta, abre-a. Dr. Da Silva a recebe com um sorriso.
– Desculpe meu atraso, doutor...
– Não há problema. – Falou com sinceridade. – Ou pelo menos espero que não. Já que passou o horário de visitas, não foi possível manter os pacientes na sala, assim tomamos a liberdade de escolher um paciente para sua entrevista. Isto é problema para a senhora?
– Bem, na verdade seria importante para a integridade da reportagem que eu mesma escolhesse o entrevistado.
– Neste caso, poderíamos marcar novamente para amanhã, no mesmo horário.
– Amanhã seria complicado. O fechamento da semana na revista é amanhã e eu ainda preciso compilar outras informações. – E já considerando a situação, pergunta – O entrevistado é, por algum acaso, o senhor de barba na sala gradeada?
– Este mesmo. O nome dele é ... – e lendo o nome no borrão, disse – João Filomeno Coelho. – Patrícia tomou nota. De alguma maneira ela havia gostado do semblante daquele senhor de barba e talvez não fosse má idéia entrevistá-lo, afinal de contas.
– Ele está lúcido?
– Se estivesse completamente lúcido, não estaria aqui. Mas posso lhe garantir que é possível extrair sentido no que ele fala, foi ele mesmo quem insistiu em ficar quando soube da entrevista.
– Ele está aqui por quê?
– Infelizmente não tenho esta informação no momento. – Disse olhando para o borrão. – Mas eu posso providenciar.
– Pode ser depois da entrevista, assim eu recuperaria algum tempo.
– A senhora quer começar a entrevista agora? – Como a resposta foi afirmativa, Dr. Da Silva pediu pelo interfone que alguém a conduzisse até a sala de visitas.

Patrícia observava as paredes recentemente pintadas enquanto lembrava a primeira vez em que esteve naquela clínica, logo após a denúncia em rede nacional de que os pacientes estavam sendo maltratados e que o ambiente era impróprio para abrigar seres humanos, tamanha falta de higiene observada em todas as dependências. Era-lhe irônico o fato de que uma denúncia na televisão tivesse força superior a qualquer outra providência legal que se aplicasse ao caso. Não importava qual o instrumento, mas Patrícia sentia-se melhor ao ver que a situação havia melhorado para os doentes. Embora o Dr. Da Silva, em sua opinião, fosse um sujeito metódico, pragmático, incapaz de rompantes metafísicos, um médico típico, totalmente contrário à formação liberal que ela tivera, era um sujeito honesto, franco e detentor de um senso de humanidade formidável. Talvez pela suas limitações, ou por seu caráter, era incapaz de ironias, o que é um alívio em um mundo permeado por elas. Certamente ele era o homem certo para a situação. A reportagem já estava praticamente pronta. Se o caso fosse outro, isto é, se não fossem pessoas mentalmente debilitadas envolvidas, bastaria um telefonema para levantar as informações. Pelas paredes novas, a atmosfera respirável, o aspecto daquele senhor de barba por trás das grades, era visível a melhora.

O enfermeiro abriu-lhe o cadeado e a fechadura que isolava a sala onde, naquele momento, estava o homem de barba e em outros momentos servia de sala de visitas para os familiares de outros pacientes. Ele observou Patrícia durante todo o seu percurso até a mesa ao redor da qual ele estava sentado. Ela pediu permissão para sentar-se à mesa com um gesto. Foi respondida também com um gesto. Patrícia pediu para o enfermeiro retirar-se. As normas impediam que ele estivesse ausente, então, resignado ele foi ao ponto extremo da enorme sala, de onde nada poderia ouvir, mas estaria à disposição para alguma eventualidade. Ao sentar-se, colocou o minigravador sobre a mesa e novamente sem falarem, apenas através de gestos, fora pedida e concedida a permissão para a gravação da conversa.
– Eu ouvi dizer que o senhor havia se oferecido para falar comigo. Existe algum motivo especial? – Iniciou Patrícia, sondando a sanidade do interlocutor.
– Existe. E os motivos são dois: um deles é a sua entrevista.
– Qual seria o outro? – A resposta a esta pergunta certamente exporia a sanidade do homem.
– O outro não é seu motivo, logo não interessa no momento. – O tom com que foi falado não revelou agressividade.
– Está certo. – Sorriu quando falou. O homem havia-lhe acendido uma fagulha de curiosidade. Não se fala assim com um repórter quando se quer manter segredo sobre alguma coisa. Mas o medo de uma resposta estapafúrdia que invalidasse o entrevistado era tudo que ela não desejava. – Meu nome é Patrícia Lins e gostaria de lhe fazer algumas perguntas, tudo bem? Primeiro, qual o seu nome?
– Meus pais me batizaram de João. João Filomeno Coelho. Mas sou Caipé. Assim me batizou Uripurá a quem devo tudo, do meu apogeu a minha desgraça. Mas minha desgraça como homem é o meu apogeu e no meu apogeu como homem, meu espírito era lixo. Caipé de Uripurá, este sou eu. – Patrícia tentou entender esta afirmação como algo poético. Pelas circunstâncias, entretanto, era mais provável estar diante de delírios de um louco.
– O senhor sentiu alguma melhora nas condições de viver da clínica? – Foi objetiva, numa tentativa desesperada de ouvir a única resposta que lhe interessava.
– Claro. Somente um tolo não vê. Agora temos nossa dignidade. Uripurá falou que meu aprendizado havia acabado. Agora eu era novamente íntegro e, por isso, poderia ter de volta o esplendor humano. A situação agora vai melhorar cada vez mais enquanto eu estiver aqui. Uripurá abençoou minha casa e todos que nela moram. – A resposta que ela queria estava no meio do delírio e era clara. Fim do serviço.
– Muito obrigada, seu João...
– Você não quer saber o outro motivo de eu estar aqui?
– O senhor não falou que não era meu motivo?
– Quando eu falar será.
– Tudo bem. Qual é?
– Acho que a pergunta certa é quem é.
– Como assim?
– Márcio pediu a Uripurá para lhe dar um recado. Uripurá agora me pede para dar o recado de Márcio para você.
– Quem é Márcio?
– Uripurá diz que não é Marcio. O nome é Marco. – Patrícia foi tomada por um choque. Perdeu visivelmente o equilíbrio.
– O que Marcus quer dizer para mim?
– Que sente sua falta, mas que está bem. Diz que te ama e espera que você possa voltar a ser feliz.
– Pergunte para ele o que aconteceu naquela noite. – Seus olhos encheram de lágrimas.
– Uripurá diz que sabe porque você tem medo de chuva.
– Por quê?
– Homem velho fazia brincadeira com a menininha. Homem velho revirava os olhos quando brincava com menininha. Tava chovendo no dia e menininha tinha nojo de homem velho. Menininha fechava os olhos. Marco diz que homem velho era pai de menininha.
– Seu porco! Seu mentiroso! Dobre a língua quando falar do meu pai! – Disparou enquanto chorava compulsivamente.
– Moça tá certa, Uripurá diz que homem velho não era o pai de menininha. Homem velho era médico de menininha. – Patrícia permaneceu chorando. Quando olhou para o lado viu o enfermeiro se aproximando.
– A senhora está bem? – Perguntou o rapaz.
– Vamos embora – pediu-lhe enquanto tentava se recompor.
O homem de barba iniciou uma gargalhada tão estridente quanto medonha e acrescentou: “Moça está rodeada por Incubus” e acrescentou a isso um gesto lascivo com a língua, tal qual uma cobra.
Quando Patrícia tomou-se novamente por si, já estava na sala do Dr. Da Silva. Ele havia-lhe providenciado um comprimido tranqüilizante e um copo com água. Ela tomou a medicação instintivamente. Dr. Da Silva esperou silenciosamente a sua recuperação, deu-lhe o tempo necessário para que saísse do estado de choque em que se encontrava. Patrícia não precisou o tempo exato que se passou e a medicação trouxe-lhe uma certa paz a qual ela se entregou irrestritamente – a morte deveria ser algo tão sublime quanto aquilo. Adormeceu sentindo-se segura enquanto Dr. Da Silva, silenciosamente, a observava, velando-lhe o sono. Teve então sonhos lindos. Nos sonhos Marcus estava vivo e eles se beijavam...

Patrícia acordou e viu-se numa maca, numa sala que parecia um ambulatório desativado. Olhou o relógio e viu que passava das três da tarde. Estava um pouco atordoada, mas sentia-se revitalizada. Quem a colocou na maca teve o cuidado de tirar-lhe o sapato. Espreguiçou-se sorrindo, lembrando dos sonhos bons. Subitamente veio-lhe o sentido de urgência, o fechamento da revista e junto a isso também voltou-lhe a lembrança do homem asqueroso de barba e das parvoíces pronunciadas. Levantou-se, calçou os sapatos e saiu do ambulatório. Achou o caminho por entre o labirinto de corredores até a sala do Dr. Da Silva. Hesitou por um momento em entrar, estava profundamente embaraçada por toda a situação, pelo seu descontrole, quando sentiu uma presença. Olhou para trás e viu Dr. Da Silva.
– A senhora dormiu bem? – Saudou-a com um sorriso.
– Dr. Da Silva, me desculpe o incômodo, estou tão envergonhada.
– Não há nada do que se envergonhar, estas coisas acontecem. Vamos entrar? – Disse enquanto abria-lhe a porta. Os dois entraram e Dr. Da Silva dirigiu-se a sua mesa e apontou-lhe uma cadeira. Abriu uma gaveta de sua mesa e retirou o minigravador. – A senhora esqueceu isto na sala de visitas. – Ela recebeu o gravador e acenou com a cabeça. – A senhora quer conversar comigo sobre o que aconteceu?
– Quero, mas somente se o senhor parar de me chamar de senhora.
– Então estou pronto para ouvir você.
Patrícia rebobinou a fita no minigravador e reproduziu a entrevista. Dr. Da Silva ouvia compenetrado.
– Que sentido isto faz para você?
– Todo o sentido do mundo. Marcus é meu falecido marido. O médico que ele fala foi meu pediatra e foi acusado de abuso sexual pela mãe de um menino, o caso saiu na impressa durante um bom tempo.
– E que lembrança a senhora, digo, você tem do médico.
– Pelo que eu recordo, nunca chegou a me tocar com outras intenções. Era um senhor, bem velhinho, uma simpatia. Inclusive minha primeira reportagem foi uma entrevista que fiz com ele quando ele havia se mudado de sua casa para a casa de campo. O jornal ficou meio receoso de publicar a reportagem, pois o assunto era polêmico, ele já tinha sido julgado culpado por unanimidade pela opinião pública e ninguém queria humanizá-lo, o que a entrevista acabou por fazer. Logo depois da publicação a mãe da criança retirou as acusações, mas o caso já estava no controle do Ministério Público e a mulher não quis explicar porque mudara de idéia, mas foi categórica ao afirmar que o médico era inocente. O coitado morreu de desgosto poucos meses depois.
– E o seu pai?
– O melhor pai do mundo.
– O que especificamente a incomodou?
– Como o quê? Como ele sabia o nome do meu marido? Como ele sabia da existência do médico?
– Mas você não falou que o médico era inocente?
– Falei. Mas por um tempo, durante o período em que o caso estava nos jornais, eu ficava me questionando se não havia sofrido, de alguma maneira abuso. A histeria de massa, acaba, de alguma maneira nos afetando e eu ficava, às vezes, imaginando que de alguma maneira ele agia com malícia quando pedia um beijinho na bochecha ao fim da consulta e me dava uma bala. Depois eu percebia como estava sendo idiota, pois minha mãe sempre estava comigo.
– Quanto ao nome do seu marido, que ele chama de Marco e você de Marcus, não poderia ter sido coincidência, afinal de contas é um nome bem comum?
– Isso é verdade e agora revendo a fita dá pra ver que ele não revela nada específico sobre o Marcus. Mas o que realmente me impressionou foi ele falar do meu medo da chuva. Hoje eu não tinha conseguido dormir por medo da chuva.
– E nos outros dias? Você tem dormido bem?
– Não durmo bem faz muito tempo.
– Há quanto tempo o seu marido faleceu?
– Vai fazer um ano agora em junho.
– Como ele morreu?
– Acidente de carro. Eu estava com ele, estávamos voltando do litoral.
– Deve ter sido terrível. Você se machucou no acidente?
– Me machuquei muito. O carro virou sucata. Mas eu não lembro nada do que aconteceu dias antes e depois do acidente. Mas o que mais me incomoda é não saber como aconteceu o acidente.
– Não ocorreu perícia para determinar a causa?
– Falha humana.
– Quem estava dirigindo?
– Pelo que tudo indica era ele. Por todas as evidências, concluiu-se que era ele. E este é meu grande problema, saber ao certo o que aconteceu naquela noite. Eu não ando bem desde o acidente e não consigo melhorar o que não pode ser, em nenhuma hipótese, normal. Eu acredito que se eu soubesse ao certo o que aconteceu naquela noite eu poderia voltar a ter uma vida normal.
– Eu lhe indicaria uma terapia. Se você quiser posso lhe indicar um ótimo clínico...
– Terapia demora demais e eu não agüento mais viver assim.
– Eu vou lhe receitar um antidepressivo e assim você vai poder voltar a viver uma vida normal e com o acompanhamento da psicoterapia em pouco tempo você superará estes problemas.
– Eu ouvi falar que o tratamento com hipnose gera resultados rápidos.
– Tão rápidos quanto imprecisos. Hipnose para recuperação de memória é uma coisa perigosa. Estudos sérios têm demonstrado que a hipnose não é muito indicada para este fim, muitas vezes o paciente cria fantasias, cria um passado que não existiu e a mente é criadora tão poderosa, tão rica em detalhes, torna tudo tão verossímil que o paciente passa a acreditar que o que ele fantasiou realmente aconteceu. A hipnose é mais indicada para sugestionar pacientes, fazendo com que um fumante, por exemplo, controle seu impulso de fumar até livrar-se da dependência física.
– Eu gostaria de tentar.
– Posso lhe indicar alguém, mas depois não reclame se descobrir que o seu medo de chuva é fruto de um trauma na vida passada...
– O senhor não acredita em vidas passadas?
– As minhas crenças não importam. É que como médico, como cientista, não vejo fundamentação científica nestas terapias. Existem pessoas sérias trabalhando com isso, pessoas que estão preocupadas com os resultados, que têm sido consideráveis, mas que não afirmam que a experiência é autêntica e preferem imaginar o fenômeno como alguma alegoria mental para a compreensão do inconsciente.
– Que visão materialista das coisas. Quer bem me dizer que o que aquele homem falou para mim não tinha nenhum componente sobrenatural?
– Certamente paranormal, não sobrenatural. Eu requisitei a ficha do homem como havíamos combinado. Ele é o que as pessoas chamam de médium. Veio para a clínica por vontade própria e não sai porque não quer. Ele possui uma disfunção, ou talvez uma capacidade mental de interpretar o pensamento das pessoas, mas como você pôde observar esta capacidade é imprecisa. Criou mais confusão na sua cabeça do que ajudou. Nos tempos de hoje não devíamos mais dar lugar a este tipo de coisas.
– Mas nem em milagres o senhor acredita?
– Se o objetivo é saber se eu acredito em Deus, a resposta é sim. Como pessoa, como Hernane, acredito em Deus e nos milagres. Estes sim são sobrenaturais. Mas esta é uma questão de fé e uma questão pessoal. Para o médico, para o Dr. Da Silva, a existência ou não de Deus é irrelevante e assim a pessoa e o médico podem conviver em paz.
– Me chame de teimosa, me chame do que quiser, mas eu realmente gostaria de tentar o hipnotismo. É muito importante para mim saber o que aconteceu na noite do acidente.
– Tudo bem. Posso lhe indicar um amigo que trabalha com isso.
– Eu gostaria de fazer a hipnose com o senhor.
– Eu não estou mais clinicando, agora tenho um cargo burocrático aqui no hospital e coordeno o curso de mestrado da Universidade Federal.
– O senhor está se saindo muito bem nesta consulta não marcada, antes de chegar aqui eu não tinha muita esperança, queria nem mesmo ter nascido...
– Como eu falei, nem mesmo acredito na eficácia do método.
– Mas sabe como proceder.
– É. Sei. Mas realmente não gostaria de fazer. O que tenho em comum com Freud é ser péssimo hipnotizador. Quando é que você pretende ser submetida...
– Que tal agora?
– Agora não posso. – Disse olhando para o relógio, – vamos marcar para Sexta-feira próxima. Depois das seis.
– Fechado.
– Enquanto isso, tome este comprimido uma vez por dia, antes de dormir, durante seis dias. – Disse enquanto aviava a receita.

Naquele mesmo dia Patrícia terminou a compilação de sua matéria. Tomou a medicação e dormiu tranqüilamente, mesmo com a chuva que persistia. A Quinta-feira foi tranqüila apesar da ansiedade pela chegada da Sexta-feira e do dia estressante na revista, normal em fechamentos de edição. O repórter, além de preparar a matéria, deve requisitar as ilustrações que deseja com antecedência ao departamento gráfico. Em matérias que envolvem algum tipo de especialidade científica como a matéria sobre a clínica é obrigatório a revisão de um profissional da área. A editora age em conformidade com o padrão ISO 9000, o que obriga um conjunto de ações padrões, às vezes cansativas, mas que também trazem seus benefícios como, principalmente, forçar que o time trabalhe de forma profissional, com normas bem estabelecidas, que sempre funcionam, mesmo quando poderiam ser agilizadas por atalhos no processo.

Naquela mesma noite de Quinta-feira, Patrícia aceitou o convite das pessoas de seu núcleo de trabalho para o happy hour. Achou por bem nada beber por conta do medicamento, embora não tenha sido instruída a este respeito. As pessoas afinal de contas não eram bairristas, admitiu, ela sim vinha se comportando de maneira estranha. Enveredou em conversas divertidas, esquisitas, sérias, assuntos de toda sorte. Estava se divertindo. Estava se permitindo, quando subitamente um conjunto de preocupações infundadas, um sentido de urgência a incomodou. Retraiu-se, taciturna. Os outros tentaram levantar-lhe o ânimo, em vão. A felicidade acabou novamente.

Patrícia chegou em casa confusa, não sabendo ao certo se deveria se matar ou tomar a medicação. Esse pensamento a assustou, mesmo sabendo que jamais se mataria, ou pelo menos não naquela noite. Capitulou e percebeu a incoerência dos seus sentimentos. Nada de concreto poderia tê-la levado a este estado de desespero. Nenhum motivo haveria para que ela deixasse de viver, ou melhor, para que não sentisse prazer em viver. Os pensamentos eram confusos e Patrícia evitava considerá-los. Tratou logo de tomar o medicamento. Em pouco tempo as idéias foram clareando e as sandices anuviaram-se. Agora via tudo claramente, mais acuradamente, mas estava com sono, precisava dormir. Tomou um banho quente. O toque da água deu-lhe a noção do seu corpo. Ainda que torpe sentia-se bem mais sensível. Tocava seu corpo como que se redescobrindo. Imaginou que Marcus estava lá junto a ela, tocando-a como ele aprendeu a tocá-la. Tocava os seios, olhos fechados e imaginando a cena como se estivesse assistindo aos dois fazendo amor. Tocou o sexo com a outra mão e engendrou um movimento em ritmo lento. “Faz assim, amor, come tua putinha”, sussurrou para um imaginário Marcus. Aumentou o ritmo, como Marcus fazia quando ela lhe falava obscenidades. Explodiu num clímax delicioso. Torpe e sensível era como estava. A respiração pesada. Passou ainda alguns minutos sob o chuveiro, recompondo-se, sentindo as pernas vacilarem. Os olhos fechados. Estava em paz naquele exato momento. Desligou o chuveiro e colocou o roupão. Dirigiu-se ao quarto, vestiu uma calcinha e uma camiseta e deitou-se, dormindo imediatamente. Sonhou que estava com Marcus na casa de praia, que se beijavam, e quando olhou novamente para Marcus não era mais ele, era um dos seus amigos do trabalho que estava no happy hour naquela noite. Antes que ela dissesse alguma coisa ele a beijou novamente e ela estava gostando. Quando ela olha novamente, o rapaz havia dado lugar ao seu pediatra, o velho sorri e pergunta: “quer uma balinha?”. Ela acorda assustada. Olha o relógio, duas da manhã. Estava com muito sono e dormiu de novo.

O dia de sexta-feira transcorreu sem muitos imprevistos. Nenhuma notícia de última hora teve de ser encaixada. Ao final da tarde a revista já estava completamente editorada no computador, os anúncios em seus devidos lugares. Com a nova impressora importada da Alemanha era possível começar a imprimir a revista até mesmo no sábado, no caso de uma eventualidade. Não era mais necessário fazer a separação de cores, imprimir fotolitos e criar chapas. A separação de cores era automática, rápida. Anos de estudos em matemática e física, que permitem transformar as cores primárias aditivas RGB em cores primárias subtrativas CMYK eram aplicados de modo transparente na nova parafernália tecnológica da editora. A impressão dos exemplares tornou-se tão simples como a impressão doméstica de um documento do computador pessoal.

Às seis horas, Dr. Da Silva recebeu Patrícia em seu escritório. Apresentou-lhe um amigo, Dr. José Padilha, um homem na casa dos cinqüenta anos como maior especialista em hipnose e principalmente como um homem sério. Eram amigos da Universidade Federal. Antes que Patrícia esboçasse alguma reação, Dr. Da Silva afirmou que para uma sessão de hipnose ela estaria mais bem atendida com o Dr. Padilha. Ela cumprimentou o médico e sinceramente não se incomodou com a idéia, ao contrário, sentiu mais segurança. Dr. Da Silva disse então que esperaria o final da sessão fora do escritório. Mas por insistência de Patrícia acabou por ficar.
– Tem alguma pergunta que a senhora gostaria de fazer antes de começarmos?
– Na verdade tenho algumas dúvidas...
– Quais são?
– Eu não acredito que vá conseguir ser hipnotizada...
– Por quê?
– Eu ouvi dizer que pessoas de personalidade forte não conseguem ser hipnotizadas.
– Vamos então derrubar o primeiro mito: hipnose é um estado mental que exige concentração aguçada, um estado no qual a mente foca em um determinado assunto, as pessoas de personalidade forte são as que conseguem melhor concentração e o melhor resultado.
– Eu vou lembrar de tudo que aconteceu durante a hipnose?
– Certamente. Sua mente estará mais aguçada do que nunca.
– Ah! Doutor, a mais importante: será que vou dizer alguma coisa íntima que eu não gostaria de dizer?
– Se você quiser mentir vai conseguir fazer isso com uma destreza maior do que quando não hipnotizada.
– Podemos começar, então.
O médico fechou a luz do consultório. Para evitar a escuridão completa, ligou um abajur que emitia uma luz ínfima. Colocou um pêndulo sobre a mesa e ao contrário do que ela imaginara o deixou imóvel.
“Em poucos minutos vamos iniciar uma das fases do processo. Antes, eu gostaria de explicar o que está para acontecer. Primeiro, você estará consciente toda a sessão, e ouvirá tudo que eu disser. Você sentirá alguma coisa diferente, uma sensação de maior lucidez. Isto é muito bom, pois o mais importante ponto a lembrar é que se você abrir a sua mente para o que eu vou dizer, aceitar as idéias sem questioná-las, deixar acontecer o que acontecer, você estará indo no caminho certo. Apenas ouça o que eu digo e deixe as coisas acontecer sem interferência. Pode ser diferente do que você imagina agora. Não tem problema. Não force nada. Mas se algo acontecer, deixe acontecer...”, pausa.
“Eu quero que você relaxe o corpo na cadeira. Coloque seus pés confortavelmente no chão. Se quiser tirar os sapatos, ótimo. Repouse as mão sobre as coxas, sem pressioná-las”, pausa.
“Você vai observar a esfera do pêndulo sem jamais tirar os olhos dela. Olhe-a fixamente enquanto eu falo. Ouça com atenção as minhas palavras. Evite qualquer outro pensamento. Ignore o resto do mundo. Apenas preste atenção ao que digo e olhe atentamente a esfera. Se seus olhos quiserem fugir da esfera, não se preocupe, simplesmente volte seus olhos novamente para ela. Você pode ver cores emanando da esfera, ela pode parecer crescer ou diminuir, pode parecer mover-se, pode parecer ter uma aura, pode ficar embaçada ou sumir. O que acontecer, deixe acontecer.", os olhos de Patrícia lacrimejavam e boa parte dos efeitos de ótica realmente aconteciam.
“Devo lembrá-la que em qualquer momento seus olhos podem sentir-se cansados a ponto de fecharem. Vá em frente. Você não precisa me dizer. Você pode fechá-los quando quiser", pausa.
"Agora mesmo enquanto você observa a esfera, você nota que seu corpo está relaxando. Quanto mais você se concentra, mais seu corpo relaxa, cada um dos seus músculo está se libertando do stress. Os músculos da barriga também. Seus ombros estão livre do peso. Você está se sentido bem..."
Neste momento Patrícia sente-se flutuando. Entrou no estado hipnótico. Dr. Padilha continuou ainda falando por alguns minutos até notar o transe.
“Você está agora segura, nada pode te ferir”, pausa.
“Você agora vai direcionar suas lembranças para o dia do acidente”. As imagens vieram à mente de Patrícia de forma bastante clara. Ela não estava dormindo, estava consciente, mas relaxada. Jamais imaginara que a hipnose era daquele modo.
“Estou no carro com Marcus. Está chovendo muito. Estamos discutindo ... não lembro o que é, mas é alguma bobagem. Agora estou lembrando, eu ficava dizendo que o Spock, da série Jornada das Estrelas, era mais jovem que o capitão Kirk e ele dizia o contrário. Nenhum dos dois sabia quem era realmente mais jovem, mais continuávamos discutindo. Está chovendo muito. Marcus leva muito a sério as discussões e eu queria irritá-lo só de pirraça. Eu estava usando um blusão ... e mostrei minhas pernas, como que casualmente para ele parar de ser tão sério...”. Patrícia na verdade havia lembrado que levantara a saia e deixara à mostra a calcinha. Marcus parou de falar e em novo tom perguntou: “você tá com aquela a calcinha de rendinha?”. Patrícia lembrou como gostava de provocá-lo, irritá-lo ao extremo para depois fazê-lo se derreter. Marcus era passional e parecia não perceber o jogo que ela fazia, ou então era um excelente jogador. “Eu então cobri novamente minhas pernas e ele pediu para ver de novo”, continuou a falar em voz alta. “Eu então perguntei: quem é mais jovem? Ele respondeu que era o Spock. Eu levantei de novo a saia e mostrei as pernas. NÃO! Umas luzes no sentido contrário, acho que é o caminhão, não vai dar tempo de desviar”, Patrícia começou a chorar neste instante.
“Nada pode te machucar agora”, tranqüilizou o médico.
“O carro bateu, capotou várias vezes, eu bati a cabeça, não vi mais nada”.
“Eu vou contar até três e no três você vai despertar e sentir-se muito bem. Um, dois, três”.

Três meses se passaram. Patrícia continuava fazendo terapia como Dr. Da Silva havia recomendado inicialmente. Pela terapia, acreditou ter descoberto que se sentia culpada pela morte do marido e por isso não havia conseguido superar este episódio de sua vida. Como Dr. Da Silva advertiu, Patrícia não podia afirmar ao certo se o que lembrou na hipnose realmente aconteceu, já que a cena descrita ocorria com certa regularidade enquanto viveu com Marcus. O fato confirmado por sua mãe de que não choveu no dia do acidente, também a intrigava. Mas era indubitável que se sentia responsável pela morte do marido e quando passou a tratar este problema, em terapia convencional, sentiu-se melhor e ensaiava uma vida normal. De qualquer modo, Patrícia sentia-se grata ao homem de barba.

Monday, January 30, 2006

Escolhas


Ainda faltava uma hora para o grande encontro e a imagem não lhe saia da cabeça, sentado na calçada daquele café, naquele dia cinza. A imagem, uma lembrança que demorou anos até que descobrisse era de algo que nunca aconteceu. Era o dorso nu de uma mulher que nunca conhecera, mas que na lembrança lhe era tão familiar quanto ele próprio. Tinha-a desde a adolescência quando podia imaginar um dorso nu feminino com concupiscência, mas aquela imagem lhe era pura, o dorso da mulher que amava, o corpo que era com o dele uma só carne e formavam juntos um só espírito. Desde a adolescência tinha aquela lembrança, e era o que entendia por felicidade. Aquele momento era de felicidade, embora também de expectativa, só uma lembrança era apropriada – a lembrança da felicidade. Será que ela virá?

A sua vida retomara o fluxo normal. Pulara dos vinte e um anos para os trinta e oito. Daquele buraco negro de dezessete anos, apenas Juliana pode fazer parte de sua nova vida. O tempo não foi perdido por causa dela. Todo o sofrimento que passaram juntos os tinha aproximado e Juliana com certeza o apoiará. Sua filha há de entender. O sorriso lhe vem aos lábios quando lembra que ela lhe trazia o travesseiro quando ele deitava no chão para ver televisão e muito delicadamente levantava sua cabeça e encaixava a peça sem nada dizer. Naquele momento é como se ela dissesse que ele era um bom pai e que ela o amava. Por ela, os dezessete anos não foram em vão.

Luciano lembra como se fosse hoje o dia que retornou ao Brasil. Até seu pai estava no aeroporto. Passara seis meses fotografando os países da América do Sul e seis meses fotografando os países europeus tendo como motor uma bicicleta e como hotel uma barraca de camping. Seu pai não gostou nenhum pouco quando ele surgiu com esta idéia de desocupado e não fossem os patrocinadores não teria o dinheiro para a aventura. A idéia pode parecer comum nos dias de hoje, mas nos idos dos anos 70 era absurda. Largar a faculdade de engenharia por um ano era uma idéia que não combinava com a cabeça de seu pai. Não fossem a fabricante de bicicletas, a revista Cruzeiro e o governo da Bélgica, Luciano não teria dinheiro para a empreita. Mas seu pai estava lá no aeroporto, orgulhoso. Junto a sua família estava Carmem. E naquele exato momento ela estava maravilhosa, como convém a uma armadilha.

O garçom lhe traz o pedido. Luciano adora aquela torta de maçã e a perfeição daquele café. Qualquer dia que escolhesse, o café e a torta teriam o mesmo gosto. E provar aquela delícia deveria ser declarado pecado por todas as religiões. Nada tão sublime pode ficar impune de culpa. Agora ele lembra a primeira vez que trouxe Marília para conhecer seu pequeno segredo, para torná-la cúmplice daquele pecado. A mudança em seu rosto quando provou da sua torta preferida. Pena que ela não goste de café. A hora passou, seguiu-se outra hora, outra, outra, até que o Café fechou. Bobagem dele acreditar que aquela felicidade poderia ser recuperada, depois que ele escolheu a vida que escolheu.

Wednesday, January 25, 2006

O ideal ascético




A ciência é uma oficina que exige muito dos que nela se aventuram. A exigência é tanta que suga a humanidade, transmigra o indivíduo em uma espécie de zumbi, uma criatura irreconhecível para os não iniciados. O que difere o homem da ciência em particular e o homem do conhecimento em geral dos seus pares humanos é o ideal ascético. Ele é tão necessário para o homem do conhecimento quanto o é para o homem religioso. É preciso alienar-se dos pormenores da vida comum tanto quanto o religioso precisa alienar-se dos prazeres do mundo terreno. Não pense o menos religioso ou o menos afeito ao conhecimento que esta alienação é algo pesaroso, forçado. Não, o ideal ascético é um modo de vida, ou modo de não vida para quem tem valores mais padronizados, mas o ascético não se sentiria bem levando outro tipo de vida, não pode se imaginar como pai ou mãe de família presente, do tipo que tem bom relacionamento com os filhos, que é amado pelos vizinhos e amigos. O ascético, entretanto, após sua fase de produção, tende a tornar-se um bom pai, mãe, amigo ou amiga, melhor, por vezes, do que os que cultuaram a humanidade durante toda a vida.

Tuesday, January 24, 2006

Contos do Fim do Mundo: A Mulher do Hotel (completo)






“15 Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. 16 Pelos seus frutos os conhecereis. Por acaso colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos cardos? 17 Do mesmo modo, toda árvore boa dá bom fruto, mas a arvore má dá frutos ruins. 18 Uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má dar bons frutos. 19 Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo. 20 É pelos seus frutos, portanto que os reconhecereis.” – Mateus 7.


Quando Paulo encontra um espaço livre e finalmente estaciona o carro, o seu relógio marca cinco horas. A técnica de adiantar a hora, em cinco minutos, parece sempre funcionar – por mais que saiba que o relógio está adiantado, os seus mecanismos de alerta o incomodam como se a hora do relógio fosse a hora oficial, não são espertos o suficiente para efetuar uma simples operação matemática, uma estúpida subtração – e assim, esse procedimento tão simples tem lhe ajudado a mudar toda a filosofia de vida – a de estar sempre atrasado cinco minutos.

Antes de entrar no hotel, olha para o mar a dez metros dali, e imagina como seria o pôr-do-sol daqui a poucos minutos. E, nesse exato momento, Paulo acha estranho o pensamento. Não o pensamento em si, mas o fato de, morando perto do mar há anos, nunca antes haver se preocupado em ver o pôr-do-sol ou qualquer outra dessas coisas que tanto falam os admiradores, entusiastas e os fanáticos. Já vira, mas não porque quisera vê-lo – era apenas um homem no local e hora em que algo acontecia. De qualquer modo, hoje não é o dia, tem um compromisso. Além do mais, a visão que tinha era apenas do norte. O espetáculo está no sol já morno e passível de observação direta, mergulhando lentamente na linha que divide o mar e o céu, segundo ouvira. O ângulo não estava propício de qualquer maneira – o sol não se põe a norte.

Na época em que éramos colônia de Portugal, a escola arquitetônica Européia era majoritariamente barroca. Era isso que Paulo esperava encontrar na arquitetura do hotel Colonial. Mas não, em lugar disso, o que ele vê é uma arquitetura criativa que reproduz o rústico com conforto. Esse é o hotel Colonial – quartos como choupanas e uma grande área livre no centro, onde fica a piscina, rodeada por cadeiras de madeira e hóspedes que aproveitam os últimos raios de sol daquele dia – contrastando-se com os inúmeros hotéis que povoam aquela mesma costa, grandes monólitos que crescem para cima e nunca para os lados, na região de metro quadrado mais caro da cidade de Fortaleza.

A moça sorridente da recepção aponta para a sala de reunião, respondendo a Paulo. Faltam três minutos para às cinco, de acordo com o relógio do hotel, com certeza a hora oficial. Ele desce um lance de escadas, anda pelo corredor que passa ao largo de alguns dos quartos e desemboca na tal sala. Bate à porta e anuncia seu nome. Uma voz feminina o convida a entrar. Ele abre a porta e cumprimenta a senhora de pouco mais de quarenta anos que o convida a sentar-se na ante-sala. Ela tem cabelos loiros que devem ser muito bem pintados, pois parecem naturais, mas não combinam com a sua tés morena. O seu vestir e o perfume apuradíssimo denunciam a sua vaidade e bom gosto. Também falam muito de sua boa condição financeira – uma mulher com aquela presença não se faz com pouco dinheiro – horas de bons cabeleireiros, pedicuros, consultores de belezas e afins – com certeza aquela visão final que agrada Paulo não se é construída ao acaso, ele já viu muitas mulheres maravilhosas que murcharam quando o manto de proteção da juventude foi-se embora. Ela entra na sala principal de onde Paulo não tem fresta alguma de visão e o pede para esperar enquanto ela se prepara.

O tempo passa lentamente. Os minutos levam horas. E aquela espera soa insólita. Por que ela não o recebe logo? Não se ouve vozes. Ela não está falando com ninguém. Ela não tem porque trocar de roupa. Ele então imagina o que deve estar sendo preparado, mas não consegue chegar a uma conclusão, imagina coisas absurdas, caricatas, com o intuito de se entreter e ajudar a passar o tempo e não de encontrar sentido. Ela fôra muito bem recomendada por alguém em quem ele confia – o Macedo – e essa era a razão da submissão àquela situação.

Macedo tem uma filha que sofre de síndrome de down. Essa diferença genética da filha afetou de sobremaneira as crenças, ou mais precisamente, a incredulidade do pobre homem. “Não há ninguém ou nada neste mundo ou em quantos outros houverem ou venham a existir que eu ame mais do que aquela criança”, para usar as suas mesmas palavras. E na sua busca, não pela cura, mas por uma forma de comunicação com a sua filha Clara, ele experimenta de tudo.

Macedo foi hippie na época de faculdade, quando ainda tinha cabelo, nos anos iniciais da década de setenta. E quem diria que aquele cabeludo iria se tornar calvo ainda aos trinta anos. Da filosofia hippie, se é que existiu tal coisa, gostava do amor livre e das drogas. Experimentou todas não injetáveis – lícitas, ilícitas, fracas, fortes – mas não se tornou viciado em nenhuma delas, nem o álcool deixou saudades. Hoje bebe muito raramente. Entre elas, experimentou o ácido, os Lindos Sonhos Dourados, ou Lucy no Céu de Diamantes, como diziam Os Beatles em Lucy in the Sky with Diamonds, todos anagramas para o LSD, ou ácido lisérgico, um alucinógeno que causou certa curiosidade na época, por parte dos adoradores da natureza, dos espiritualistas, dos gnósticos. O ácido entra na corrente sangüínea através da pele, não é necessário cheirá-lo, aplicá-lo na veia ou mesmo bebê-lo. Essa facilidade de profilaxia permitia formas criativas e inusitadas de comercialização. Macedo conseguia a droga no jornaleiro, comprando figuras de álbum juvenil. Naquela figura colorida, ao se tocar em uma determinada região, como o olho do super-herói da ilustração, o ácido penetrava na corrente sangüínea e em poucos segundos estava nos lóbulos temporais, causando uma tremenda confusão mental.

Visões, estado alterado da consciência e fala obsessiva – todos esses efeitos foram sentidos por Macedo. Muitos afirmam ter uma experiência espiritual, outros arrancam os olhos, ferem-se ou matam-se durante a experiência. Mas o pior de tudo é que sem menos esperar, alguns poucos, que já experimentaram a droga e não a usam há décadas, apresentam os sintomas de como se tivessem feito-lhe uso. Isso pode acontecer ao se estar dirigindo de volta para casa com a família. O fato é que Macedo suspeita que a filha é diferente graças ao seu envolvimento com as drogas, mesmo ele tendo parado com o hábito anos antes de concebê-la. A ciência não confirma a sua suspeita, nem desmente. E isso o afeta. Mais do que se fosse, comprovadamente, o responsável. Queria a certeza e gostaria de poder encontrar um culpado. Na falta de um culpado de carne e osso, gostaria de uma razão, mesmo que fosse ela absurda aos olhos da ciência moderna a quem não deve nenhum respeito.

A necessidade de respostas, levou Macedo a experimentar um sem número de religiões e um outro tanto de tratamentos tão esquisitos quanto inócuos. Ao passar do tempo, ele desenvolveu um senso crítico mais racional e passou a fugir dos embusteiros e sentir-lhes o cheiro a distância, pelo menos gabava-se disso. Uma indicação de Macedo valia o esforço de conferir. O profissional indicado poderia ter todos os defeitos morais, intelectuais e éticos, mas era coisa genuína. Paulo está pacientemente esperando ser atendido por esta mulher, que ele esquecera o nome, porque Macedo a tinha indicado. E ele a indicara como profissional científica – uma psicóloga e parapsicóloga que não está no patamar dos pajés, curandeiros e sacerdotes – uma pessoa das ciências, do jeito que Paulo esperava que fosse. Os pensamentos de Paulo são interrompidos pelo chamado da mulher. Já não era sem tempo.

Ao se levantar Paulo sente suas pernas pesadas. Aquela sensação ele conhece bem. Não é dormência pela má circulação de sangue por ter estado sentado. É o estado de alerta de perigo invisível. Paulo sente isso em alguns locais onde pessoas depois lhe contam que é mal-assombrado. Perto de pessoas que não são muito agradáveis, ou muito violentas, mesmo antes de conhecê-las ou ouvi-las. Sabe que existem coisas que não pode descrever, mas pode sentir. Se mais pessoas tivessem estes sentidos, haveriam termos na língua para descrevê-los e uma só palavra seria suficiente e não um parágrafo inteiro. O perigo existia e, naquele momento, ele já estava arrependido de ter vindo. Mas a mulher o chamara novamente. Iria ao menos ouvi-la, desculpar-se e ir embora.

Aquela mulher elegante agora usava um vestido enorme de sacerdotisa do candomblé, rodeada de pedras semipreciosas, cordões e bijuterias de toda a sorte. Paulo entendeu que viera parar no lugar errado, mas não quis ser indelicado. Sabia, entretanto, que por mais que fizesse daquele momento em diante, entrara em uma região perigosa, imprecisa. Sentou-se à mesa coberta por uma colcha bordada e com detalhes feitos, cuidadosamente, à mão. No seu centro havia uma peneira de palhas de palmeira já maduras. Na peneira, repousava em jogo de búzios.

– Qual o seu nome mesmo, meu filho? – Pergunta a mulher.
– Paulo – responde-a e acrescenta – Qual o seu nome, novamente?
– Elisa. O que te trouxe aqui?
– Você lembra do Macedo, que trouxe a filha Clara, para uma consulta com você nesta semana?
– Lembro, sim. Como ele está?
– Está bem. Ele falou muito bem de você, disse que era psicóloga e parapsicóloga. Eu realmente não esperava uma mãe de santo parametrizada. – Fala com um certo sorriso irônico, mas mantém-se cordial.
– Espere um momento – Elisa sorri e junta todos os búzios com as duas mão, e antes que Paulo fale alguma coisa, os balança, fecha os olhos, balbucia algo ininteligível e atira todo o conteúdo de volta para a peneira. Os búzios se acomodam em forma de U com todas as aberturas voltadas para cima. – Você tem uma grande mediunidade, criou um campo tão forte que todos os búzios se abriram para você, mas precisa desenvolvê-la.
– Senão?
– Caso contrário sua vida vai ficar muito complicada. Não é verdade que tudo que você vai fazer sempre aparece uma complicação?
– Sim. Mas assim é a vida. Quando faço um estudo minucioso do que pode ter dado errado chego a conclusão que deixei de observar algum pormenor que acabou estourando mais a frente. – Paulo responde ainda meio em dúvida, pois há um pouco de razão nisso tudo, mas a confusão é uma das armas da ignorância e desinformação e esta era uma guerra, suas pernas não mentem. – Eu vim aqui por causa de alguns sonhos que venho tendo.
– Shhh!!! Vou ouvi-los daqui a pouco. – Diz isso enquanto repete todo o ritual, e joga novamente os búzios na peneira. – Aqui diz que um momento muito atribulado está querendo se formar na sua vida. Saia daí!!!. – Disse apontando para o lado de Paulo. E como resposta a um olhar atônito, complementa. – Existe um negrinho que o belisca de tempos em tempos. Você não sente um beliscão, vê alguns vultos?
– Sinto, mas com certeza é alguma pontada de um órgão interno. E quanto a ver vultos todos nós vemos, principalmente quando nos viramos rapidamente e a retina nos prega uma peça.
– Puxa, como você é incrédulo! Você sabia que foi um Português na outra encarnação. – Ao ouvir esta última frase Paulo é tomado por um choque. Estas palavras fazem todo o sentido do mundo. Isso o assusta, mas deve manter a serenidade.
– E você é muito crédula, pelo seu lado. Mas que estória é essa de eu ser Português? – Paulo perguntou, meio ríspido, com autoridade.
– Conte-me o seu sonho, mais tarde voltaremos a discutir tudo isso novamente. – Diz Elisa. Neste momento, Paulo arrepende-se de ter mencionado o fato. Se não o tivesse feito era a hora certa de ir embora. Mas rende-se. – “Era uma cidade de praia e era noite. Havia uma atmosfera carregada onde eu estava, eu podia senti-la como quem sente o vento da noite e a maresia. Eu estava em frente a uma casa bem simples, pintada de verde, com a pintura quebrada. Entro nesta casa e vejo na sala de visitas um sofá de madeira também em ruínas com o seu centro lascado. A forma da casa é a de um corredor, só que da porta de entrada vê-se mais largura que comprimento, ou seja, a casa é atravessada e não tem muita profundidade. Ao lado esquerdo e acima do sofá existe uma prateleira de madeira bem pequena, sobre a qual repousa um prato com comida. Eu entro na casa e como do prato. Ao terminar vejo que o fundo do prato é um espelho. Eu então sinto que fiz algo muito errado e que as pessoas dariam conta. Na manhã seguinte, o solo acusa chuva recente. Estou com a minha namorada e uma amiga comum. Peço para minha namorada trazer-me algo. Neste tempo, embora não tenha visto as imagens no sonho, seduzi a nossa amiga e mantive relações sexuais com ela. O sonho então dá um pulo e me vejo andando com uma outra amiga e um conhecido em uma estrada limitada por cercas de madeira, muito bem cuidadas, dos dois lados. Este conhecido segura um aparelho de som portátil que tem duas caixas de som pretas. Converso com a minha amiga enquanto o aparelho começa a pegar fogo. Ela se vira para o lado e diz: “Eles levaram três anos para fazer este aparelho, não pode ser destruído”. “Isso se faz em poucos minutos”, pensei. Ela correu para o aparelho que o rapaz soltara e acaba morrendo no acidente. Eu e este conhecido não comentamos, mas sabíamos que ela morrera para salvar aparelho. Ao final da estrada chegamos a um tipo de grêmio de cidade do interior. Entramos e conhecemos algumas pessoas. Conversei com um homem que falava castelhano, não poderia precisar, mas era quase certo que ele não era latino-americano. Ele então convidou-me a sentar no bar e tomar uma cerveja. Não havia cadeira para mim, ele então foi à piscina e pegou uma cadeira de madeira branca. Havia uma criança sentada nesta cadeira e ele levantou a cadeira mesmo assim, só com uma mão, demonstrando grande força física. A criança pulou e a cadeira foi trazida ao bar. “Por que você não teve medo?”, perguntou-me o forasteiro, referindo-se ao incidente com a minha amiga. “Porque sou protegido por Deus”, respondi e me surpreendi e lembro de ter pensado: “Mesmo Deus tem seus preferidos”. “Por que você se acha protegido por Deus?”, continuou, como se lesse meus pensamentos. “Talvez não por algo que eu tenha feito, mas provavelmente por algo que eu vá fazer”, novamente me surpreendi com a resposta. “Você sabe o que matou a sua amiga, não?”, perguntou ele. “Estava relacionado àquela presença, ela atraía”, novamente outra surpresa na minha resposta. Ele disse então que não me entendera. Falei em portuñol. Ele continuou sem entender. Falei-lhe em inglês e ele pareceu entender. Foi então que me disse: “Você tem olhos fundos como o de um Português”.” – Elisa anotava enquanto Paulo descrevia o seu sonho. Mudava sua fisionomia a medida que algumas partes eram reveladas.
– Este seu sonho tem caráter espiritual. Como você sabe eu também sou psicóloga e é muito raro um sonho ser ao mesmo tempo extenso e ter uma linha única de pensamento.
– O que é o sonho para a psicóloga Elisa? – Pergunta Paulo com real interesse.
– Os sonhos, em geral, fazem parte do processo de organização da memória. Se você observar bem, quando passamos uma noite em claro temos dificuldade de organizar a cronologia dos eventos. Coisas que aconteceram há horas parecem ter acontecido há minutos e vice-versa. Somente após o sono, e os sonhos, podemos fechar a contabilidade do dia. – Elisa fala em tom professoral. – Os sonhos também trazem coisas do inconsciente à tona, isto é, para o consciente. Eles têm sentido simbólico, mas não apresentam, em geral enredo simbólico. E o seu sonho apresenta enredo simbólico, conteúdo simbólico e significado simbólico. – Responda-me só uma pergunta: este seu amigo castelhano usa alguma coisa na cabeça?
– Não nesse sonho. – Novamente a mulher tocara em outro ponto delicado. Paulo tem uma teoria já formada sobre os seus sonhos e experiências, e principalmente uma idéia sobre quem seja o tal castelhano que é figura recorrente. Procura alguém para ratificar suas crenças. Mas ele não quer que essa mulher traga nenhuma resposta. O terreno é perigoso, ela é o inimigo. Na França de Vichy, a arma era a desinformação e a desinformação era recheada de fatos verdadeiros costurados em sofismas. Esta mulher acha que sabe verdades, mas Paulo sabe que só ouvirá mentiras verossímeis: distorções da verdade.
– Acho que você não precisa que eu interprete o seu sonho, você sabe exatamente o que ele significa. Você tem um problema muito mais sério. Você tem algum inimigo? Alguém metido com magia negra?
– Na verdade tenho. Uma senhora que tem uma fábrica de velas de umbanda certa vez me comprou um carro e pagou com dois cheques. O primeiro compensou. O segundo retornou porque tinha sido sustado. Liguei para saber o que tinha acontecido e ela disse que o carro sofrera um acidente e tinha virado sucata e estava dividindo o prejuízo comigo. Ganhei na justiça o valor devido e dizem que ela me jogou uma maldição. Não levei muito a sério, mesmo quando um carro que eu tinha capotou, com apenas um mês de uso, em uma reta.
– Eu sei que você tem preconceito quanto a minha crença. Eu até respeito isso. Mas é melhor você se precaver. Eu posso fazer um trabalho para amarrar o mal que tenta atacá-lo. Se você trabalha com o Macedo, você trabalho no Estado. Pode pedir referências minhas ao Governador. Ou, se você quiser ao Secretário de Estado. Meus clientes são pessoas instruídas. Isto não é magia negra. Meu trabalho é somente com espíritos superiores. E não se preocupe que eu não vou lhe cobrar nada
– Eu não posso me livrar do mal por mim mesmo? Por orações? Sem a necessidade de trabalhos?
– Não. Este tipo de trabalho só pode ser cortado com outro trabalho.
– Mas a Bíblia não tem uma passagem que fala que qualquer pessoa pode expulsar demônios.
– Claro, mas a pessoa para fazer este tipo de coisa deve estar com a vida bem equilibrada, em comunhão com Deus. Senão não terá autoridade sobre os espíritos. Você acha que está preparado? Na Bíblia também há uma passagem que diz que quando um espírito expulso volta ele traz mais sete com ele.
– Não, eu não estou limpo. Mas com certeza você também não está. – Paulo fala com desprezo e rispidez. Agora é a oportunidade de ir embora. – Obrigado pela consulta. Quanto eu lhe devo?
– Não me deve nada. É uma cortesia para os médiums. Geralmente eu cobro de acordo com a capacidade de pagamento da pessoa. Mas para você não cobrarei nada. Tenho certeza que ainda iremos nos encontrar.
– Não conte com isso, Elisa, mas saiba que não é nada pessoal. – Paulo volta a falar amistosamente. – Só mais uma pergunta, se não for incômodo: como você sabe que um espírito é de luz?
– Eu tenho meus guias que só têm feito coisas boas para mim e para quem os requisita ajuda através de mim. Pelos seus atos, sei das suas intenções.
– Mas você mata galinhas ou outros animais neste rituais ?
– Às vezes, sim. Os hebreus também sacrificavam seus animais para os deuses.
– Os hebreus não tinham deuses, insistiam na idéia do Deus único.
– Que seja...

Paulo se despede de Elisa e sai mais confuso do que quando entrou. Mas uma coisa era certa: não era aquilo o que ele esperava daquela reunião. Ele sabe que não fez a coisa certa, mesmo que tenha sido enganado. Foi enganado sim, mas entrou no jogo daquela mulher, ou quem quer que seja que ela estivesse representando. Ele vai até o carro e vê que o pneu dianteiro está seco, quase completamente seco. Decide entrar e dirigir devagar até um borracheiro, evitando assim a sujeira da troca de pneu. Já é noite. Faz a volta e é informado por um passante de que existe um borracheiro a duas quadras de lá. Dirige com muito cuidado até ver, finalmente, o borracheiro. O rapaz que tira pneus levou cerca de trinta minutos para retirar o seu. “Nunca vi pneu mais duro, doutor”, diz o rapaz quando finalmente consegue. Após o reparo e troca de pneu, Paulo volta a pista lentamente, quando inadvertidamente cai com o mesmo pneu dianteiro em um bueiro aberto. Os rapazes da borracharia o ajudam a tirar o carro do buraco. Paulo então nota que apenas as marchas para frente estão funcionando: a primeira, terceira e quinta. Segunda, quarta e ré não funcionam. Com alguma dificuldade consegue chegar em casa. Na manhã seguinte vai ao mecânico. O diagnóstico é um só, não importa o mecânico consultado, a caixa de marcha está irremediavelmente danificada. Com o prejuízo é possível comprar uma moto usada. Paulo então sabe o que aconteceu e sabe que embora o plano seja para que ele volte, ele jamais voltará a ver aquela mulher na vida.